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Crítica | Host (2020)

por Michel Gutwilen
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Antes de falar de Host, uma rápida digressão. No livro “O Que É Cinema?”, o teórico André Bazin comenta sobre a importância do filme Cidadão Kane e seu cinegrafista, Gregg Toland, que se tornaram simbólicos pelo emprego da profundidade de campo. Resumidamente e de maneira simplificada, essa técnica libertou o espectador da “ditadura do olhar” imposta pelo diretor através do plano e do contraplano. Para exemplificar, em uma cena de uma mãe dentro da casa observando seu filho brincando no jardim, normalmente isso seria filmado em plano (mãe) e contraplano (criança). No entanto, Orson Welles filma tudo em um só plano, através da profundidade de campo. Ou seja, agora quem escolhe o que olhar não mais é o diretor, mas o espectador. Sua atenção pode se direcionar tanto no que acontece ao fundo do plano quanto no que está mais próximo. Existe uma noção de livre-arbítrio.

Bem, e o que isso tem a ver com Host? Sem muitas delongas, trata-se de um filme que se passa inteiramente na tela de um computador (“desktop movie”), mais especificamente na plataforma Zoom, de chamadas coletivas em vídeo. Vivendo o tédio da quarentena, 6 amigas decidem invocar um espírito junto com uma médium. Ao longo de seus 56 minutos de duração — aqui, o tempo da obra se equipara ao máximo que o Zoom permite para uma chamada — o que vemos na tela são simultaneamente os 6 “quadrados” de cada participante da conversa. 

Retornando à analogia inicial do texto, essa simultaneidade do olhar se torna o ponto central do média-metragem. Afinal, é justamente nos momentos em que vemos as seis meninas em tela que o efeito do terror é mais efetivo, uma vez que não se sabe exatamente em qual dos quadrados irá acontecer alguma coisa. Quando alguma coisa parece estar errada, nosso olho vai percorrendo ansiosamente por cada um deles procurando por algum detalhe despercebido ou algo fora do lugar. Igualmente, assim como em uma chamada na vida real, em alguns momentos, uma das telas individuais ocupa todo o plano enquanto uma pessoa fala. Até certo ponto, isso também se torna efetivo, pois nos leva a falsa sensação de que algo irá acontecer com a pessoa que momentaneamente se torna protagonista, mas nem sempre ocorre. Assim, uma tensão crescente vai tomando conta do espectador, uma vez que ele passa a reparar em cada detalhe do ambiente caseiro mostrado no fundo de cada webcam. Uma geladeira piscando, uma porta entreaberta, uma cortina, tudo se torna possível de esconder um elemento sobrenatural.

Neste sentido, Host também se utiliza muito bem das próprias condições do cinema desktop para ser mais eficiente em seu terror. Tanto a “má qualidade” da imagem — não que seja ruim, mas não é um ”Full HD” — quanto a iluminação natural caseira de lâmpadas aumentam esta sensação de desconfiança, principalmente porque causam uma distorção da imagem e geram escuridão em certas sequências. De mesmo modo, Savage também cria terror por meio das próprias ferramentas internas do Zoom, o que se prova sua escolha estilística mais interessante, sendo uma pena que ele não aprofunde a fundo essa ideia. Tanto o filtro de monstro no rosto (e a consequente cena da máscara flutuante, que acho uma das coisas mais perturbadoras deste ano) quanto o plano de fundo em looping de uma das garotas são mais eficientes do que qualquer uma das vezes em que o diretor recorre a um jumpscare.

Porém, saindo do nível descritivo, é hora de pensar de que maneira todas essas técnicas citadas contribuem para a ideia central de Host. Durante a trama, os personagens citam o coronavírus e o isolamento social, deixando claro de que a narrativa se passa no nosso tempo atual. E de que modo isso é importante? Ora, é como se o sobrenatural do média-metragem fosse uma incorporação de todo o mal-estar causado pela quarentena. Da ansiedade que é ver seus amigos queridos apenas em um quadrado mínimo de tela. Da falta de privacidade que é ter o seu ambiente caseiro observado por pessoas que você não convidou. Uma reflexão sobre a própria facilidade desses aplicativos em camuflarem a realidade (com filtros e planos de fundo artificiais). Não só isso, mas o terror está no próprio fato da fragilidade gerada pelo paradoxo do encontro virtual, no qual todas aquelas mulheres estão “juntas”, mas quando algo de ruim começa a atingir uma delas em suas casas, só resta às outras olharem. É como se todo o terror literal de Host refletisse os anseios pandêmicos contemporâneos. Não à toa, é curioso que no clímax, uma das mulheres vai desesperada para a casa da outra salvá-la. Obviamente, nem tudo acaba bem, mas, pelo menos, as situações inesperadas da noite fizeram com que elas se encontraram no mundo real.

Host – Reino Unido, 2020
Direção: Rob Savage
Roteiro: Rob Savage, Jed Shepherd, Gemma Hurley
Elenco: Haley Bishop, Jemma Moore, Emma Louise Webb, Radina Drandova, Caroline Ward Edward Linard, Seylan Baxter, Alan Emrys, Jinny Lofthouse
Duração: 56 min.

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