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Crítica | Hunters (2020) – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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Não costumo demorar muito para escrever a crítica de algo que li ou assisti, pois, depois de tanto tempo, treinei-me a formar opinião na medida em que a experiência se desenrola. Mas Hunters foi uma exceção, já que talvez até agora não tenha me decidido exatamente sobre o que escrever sobre a série criada por David Weil, com produção executiva, dentre outros, de Jordan Peele, nome atualmente quente no mundo do entretenimento. Portanto, peço paciência com meu texto abaixo, pois ele oscilará bastante ou, pelo menos, mais do que o normal.

Esperei com ansiedade pela série desde que soube que ela seria sobre caçadores de nazistas nos anos 70 comandados por ninguém menos do que Al Pacino. Premissa e ator irresistíveis demais para ignorar ou tratar apenas como mais uma série dentre tantas outras. Quando ela finalmente aportou no Amazon Prime Video, minha primeira reação foi cair para trás com o tamanho dos episódios: nenhum dos 10 mais curto do que uma hora, sendo que o primeiro com a duração de um longa-metragem! Mas fui em frente seguro que qualquer coisa com caçadores de nazistas não poderia ser menos do que bom e, dito e feito, abri um sorriso de orelha a orelha (sim, me julguem…) em meio a exclamações impublicáveis com aquele começo completamente exagerado em que o nazista foragido nos EUA e que adotou o nome Biff Simpson (Dylan Baker, outro ator de quem gosto muito) chacina toda sua família quando sua identidade é revelada por uma sobrevivente do Holocausto. Início inesperado, pesado, violento, de virar o rosto, mas muito bem executado, capaz de prender qualquer um imediatamente no sofá até o final dos 90 minutos iniciais de lenta construção da narrativa principal que, na verdade, vai além da caça aos nazistas radicados nos EUA e de críticas pesadas à Operação Paperclip, já que ela se refestela com as mais variadas teorias da conspiração e lendas urbanas sobre um mítico Quarto Reich.

Logo fiz a associação e concluí algo como “ah, mas então esse Hunters é mais uma sátira que bebe de uma pegada tarantinesca, maravilha!” e preparei-me para o espetáculo pois caçadores de nazistas com uma lente over the top à la Quentin Tarantino remete a Bastardos Inglórios e Bastardos Inglórios, como todo mundo obrigatoriamente há de concordar, é uma obra-prima. Minha vontade de continuar, então, só foi amplificada. Entram em cena, ato contínuo, a tragédia do jovem Jonah Heidelbaum (Logan Lerman, que começa mal como o “garoto de olhos esbugalhados”, mas que acaba se desenvolvendo bem) cuja avó é assassinada misteriosamente, levando-o a quase ser adotado pelo milionário judeu Meyer Offerman (Pacino em uma atuação interessantemente caricata, que é ao mesmo tempo contida e séria) que, por sua vez, revela-se como o líder de um grupo que há pouco tempo começou a localizar e a liquidar nazistas com requintes de ironia, ou seja, de forma que o genocida sinta um pouco de seu próprio veneno. Nesse grupo, temos a hilária freira durona Harriet, ex-MI6 (Kate Mulvany), a manifestação física do blaxploitation Roxy Jones (Tiffany Boone), a manifestação física dos filmes de artes marciais e dos filmes de guerra dos anos 70 Joe Mizushima (Louis Ozawa), o ator judeu e mestre em disfarces que é tão hábil quanto o Inspetor Clouseau Lonny Flash (Josh Radnor) e o doce e inseparável casal de sobreviventes do Holocausto especialistas em eletrônica e comunicação Murray (Saul Rubinek, ele mesmo um sobrevivente) e Mindy Markowitz (Carol Kane em tocante atuação), cada um contribuindo de seu jeito para a equipe, mas todos com reservas sobre o recrutamento do jovem Jonah, que precisa provar-se, claro.

Paralelamente, há a agente do FBI Millie Morris (Jerrika Hinton) – negra e lésbica – que começa a investigar um assassinato patrocinado por Offerman e que abre a caixa preta da infame Operação Paperclip e o jovem americano nazista Travis Leich (Greg Austin, assustador) que é um assassino recrutado pelo misterioso Quarto Reich da Coronel (Lena Olin, mais vilanesca impossível) em meio a um plano de “purificação” daqueles que poderiam facilmente constar em um filme de James Bond. Salientei as características de Millie só para começar a construir meu ponto sobre o que a série começa a tornar-se desde cedo: um balaio de gatos que não consegue firmar exatamente uma personalidade, distanciando-se de minha conclusão inicial de que estaríamos diante de algo na linha de Bastardos Inglórios.

Há, ao longo da série, uma tentativa de abordagem de uma pluralidade gigantesca de assuntos e, mesmo com episódios de duração avantajada, nada acaba realmente ganhando profundidade. É sem dúvida divertido ver Boone encarnado sua Roxy – penteado, figurino, vida particular ativista – como uma super-heroína dos filmes de exploração setentistas, mas, diferente de outra obra-prima de Tarantino, Jackie Brown, Roxy não parece mais do que uma alegoria com um fim em si mesma. E é o mesmo com Joe, com Lonny e até com o casal Murray e Mindy. Cada um é um microcosmo satírico que não mantém uma cola narrativa tão boa assim, ainda que sempre agradável de assistir (já começaram a entender o grau de minha dúvida entre o “gostar” e o “não gostar”?). E a inevitável barriga que os episódios do meio trazem, focando nos amigos de Jonah, na vida pessoal de Millie e assim por diante acabam trazendo um certo arrasto narrativo para a série, que teria se beneficiado e muito de foco.

Mas há mais. E talvez o que mencionarei a seguir seja o maior ponto de estranheza.

Lembram quando disse que adorei a chacina exageradíssima do início do primeiro episódio? Pois bem, ela é, apenas, a ponta do proverbial iceberg. A violência escorre pela tela, muitas vezes cortesia de um Travis que se delicia com cada morte que é capaz de infligir. No entanto, para fins de contextualização, o showrunner não se contenta com o presente da série, retornando à Segunda Guerra Mundial, mais especificamente ao campo de extermínio Auschwitz, um dos lugares mais terríveis que já tive o (des)prazer de visitar. A reconstrução de época tanto dos anos 70 quanto dos anos 40 é magnífica e o próprio campo ganha uma vida assustadoramente próxima do real em termos estéticos. Mas a violência no passado, em meio ao extermínio massivo dos judeus, também ganha uma pegada exagerada como a chacina do começo. Na verdade, minto. Mais exagerada ainda, como o “jogo de xadrez” ou o “concurso de cantor” macabros. Não compartilho, porém, do sentimento de alguns na linha de que isso banaliza os verdadeiros atos hediondos dos nazistas ou que abre espaço para que alguns neguem o Holocausto (negar o Holocausto é coisa de mente doentia, vamos combinar), mas sim que essas escolhas narrativas não são homogêneas na temporada. Se é sátira, então que o tom satírico seja mantido, como o é, por exemplo, em Jojo Rabbit, só para usar uma obra recente como exemplo, mas não acontece isso na série. Essa questão é particularmente visível na forma como todo o arco narrativo – passado e presente – de Murray e Mindy é tratado. Nele, a abordagem é 100% séria e dramática, emocionante mesmo (um dos pontos altos da temporada, não tenho dúvida em afirmar) e o contraste desse enfoque com os demais quebra a unicidade narrativa da temporada com um todo, tornando-a até inclassificável, o que não é algo ruim na maioria dos casos, mas que, aqui, considero ser um problema.

Eu poderia continuar apontando as incongruências da temporada nesse aspecto, mas, se eu assim fizesse, teria que começar a soltar spoilers aqui e ali e tenho evitado isso para tornar a crítica mais universal. Creio, porém, que meu ponto tenham já ficado claros e eles podem ser reiterados pelos últimos minutos do derradeiro episódio que são construídos para estabelecer um cliffhanger, claro, mas que também dão vazão a tudo o que há de mais exagerado. O desequilíbrio é claro, mesmo que eu tenha adorado esses minutos finais também, especialmente considerando as possibilidades que eles abrem para um futuro mais louco ainda para a série.

Portanto, como qualquer um pode notar no meu vai-e-vem crítico, não sei bem o que achei de Hunters. Parte de mim adorou o morticínio exagerado, mas outra parte teve dificuldades para assimilar a gangorra estética e narrativa e a inserção de todas as críticas sociais possíveis que, porém, ganham a profundidade de um pires. No final das contas, ao tentar ser diferente e desafiadora, mas sem a coragem de mergulhar a fundo na sua pegada satírica, a série acaba não conseguindo dizer exatamente o que é e o que pretende ser, misturando tudo (e mais a pia da cozinha, como os americanos dizem) em um conjunto narrativo no mínimo estranho, mas que, tenho que confessar, mantem-se irresistível talvez exatamente por isso.

P.s.: Antes que alguém venha dizer que a avaliação em estrelas não “combina” com meu texto, tenho duas soluções: (1) leiam isso aqui e (2) ignorem as estrelas, pois nem mesmo eu consigo concluir se é isso mesmo…

Hunters – 1ª Temporada (EUA, 21 de fevereiro de 2020)
Criação: David Weil
Direção: Alfonso Gomez-Rejon, Wayne Yip, Nelson McCormick, Dennie Gordon, Millicent Shelton, Michael Uppendahl
Roteiro: David Weil, Nikki Toscano, Mark Bianculli, David J. Rosen, Zakiyyah Alexander,  Eduardo Javier Canto, Ryan Maldonado, Charley Casler
Elenco: Al Pacino, Zack Schor, Logan Lerman, Lena Olin, Jerrika Hinton, Saul Rubinek, Carol Kane, Josh Radnor, Greg Austin, Tiffany Boone, Louis Ozawa, Kate Mulvany, Dylan Baker, Christian Oliver, Jonno Davies, James LeGros, Ebony Obsidian, Caleb Emery, Henry Hunter Hall, Jeannie Berlin, Annie Hägg
Duração:

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