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Crítica | I Hate Fairyland

Era uma vez uma assassina de cabelo verde que...

por Kevin Rick
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Imagine uma mistura de O Mágico de Oz com a violência cômica de Deadpool e o humor deturpado de Family Guy. É mais ou menos assim que caracterizo I Hate Fairyland, obra que segue a história de Gertrude, uma garotinha que deseja estar num conto de fadas, tendo seu sonho realizado… não exatamente da forma que queria. A menina fica presa no mundo mágico de Fairyland por trinta anos, sem encontrar uma saída. Seu corpo não envelhece, mas a protagonista continua amadurecendo mentalmente, ou melhor, seu estado mental fica mais ensandecido e violento à medida que ela não encontra o caminho de volta para casa.

Criado por Skottie Young, o quadrinho é uma versão hilária e perversa de contos infantis de fantasia. Temos muitas referências do gênero, passando pela própria Gertrude, uma versão sádica de Alice e Dorothy. A protagonista é acompanhada por Larry, um inseto cínico e depressivo inspirado em Jiminy Cricket, com ambos os personagens enfrentando cenários fantásticos aludindo de Cinderela até Senhor dos Anéis. O roteiro de Young é inteligente no uso de clichês, situações e tipos de subgênero de fantasia, como Espada e Feitiçaria, Fábula e Bruxas, para efeitos cômicos, sempre com um estilo paródico e um humor sombrio.

As desventuras de Gertrude são rapidamente divertidas, como formas de esquetes, com uma abordagem narrativa lunática e cheia de infortúnios que parecem ter saído dos melhores episódios de Looney Tunes, mas, claro, com muito sangue, canibalismo e xingamentos. Aliás, os diálogos são extremamente hilários e criativos, brincando com a censura de palavrões com termos “fofos” – com ótima escolha de fontes e estilização das letras por parte de Nate Piekos -, e com piadas muito bem-escritas entre a ironia e a ofensa de uma comédia adulta de proporcionar gargalhadas altas, especialmente em seus pandemônios visuais.

Não apenas escritor, Young é um artista espetacular, mesclando a estética inocente de contos de fadas infantis com a perversidade da história, no mesmo estilo satírico de sitcoms animadas como South Park e Family Guy. Os desenhos do autor têm uma pegada ironicamente chibi, trazendo muitas risadas com a personalidade maligna de Gertrude num corpo infantil, com ilustrações cheia de exageros e com uma linguagem até de espetáculo, especialmente nas maravilhosas paisagens e nos diversos splash-pages de Fairyland. Young é acompanhado pela explosão de cores de Jean-François Beaulieu, dando uma identidade ainda mais viva e natural para a HQ, assim como impiedosamente banhada em gore.

Agora, conceitualmente falando, I Hate Fairyland é limitado. Young não está interessado em dramas, desenvolvimento de personagens, mitologia e nem numa trajetória habitual de aventura, o que enquadra o quadrinho apenas na comédia. Mas a execução é tão incrivelmente inventiva com o humor, passando pelas dinâmicas tóxicas entre Gertrude e Larry, os inimigos e coadjuvantes imaginativos, até, claro, o estilo visual memorável, que a leitura da obra nunca soa superficial.  Também ajuda bastante o fato da série ter apenas 20 edições, terminando antes da experiência ficar repetitiva e a inspiração esvaziar – ainda que o desfecho seja muito súbito para meu gosto.

Em I Hate Fairyland, cada painel é caos, mas a arte lembra livros infantis, o que deixa tudo mais delicioso de ler e rir. Skottie Young criou uma paródia essencialmente espontânea do mundo de fantasia e dos contos de fadas, presenteando o leitor com uma das protagonistas mais desagradavelmente divertidas de acompanhar. É uma comédia honesta, perfurando qualquer tipo de pudor para fazer o leitor dar risadas das coisas mais criativamente viscerais e perversas. O “Era uma vez…” da infância nunca será o mesmo após as chacinas de Gertrude.

I Hate Fairyland, EUA – 2016-2018
Contendo: I Hate Fairyland #01 a 20 (4 volumes)
Roteiro: Skottie Young
Arte: Skottie Young
Cores: Jean-François Beaulieu
Letras: Nate Piekos
Editora original: Image Comics
Páginas: 600

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