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Crítica | I – Juca-Pirama, de Gonçalves Dias

Um clássico da poesia indianista brasileira do século XIX.

por Leonardo Campos
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Um épico da poesia que emula traços da cultura indígena e os relaciona com os ideais literários europeus, em especial, a tradicional questão da honra, muito comum nas narrativas de cavalaria, tema que ressoa ainda hoje no campo da literatura. Inserido no esquema de olhar europeizado, a figura do índio é delineada, em Juca-Pirama, como um herói repleto de paradoxos. Ele é aquele que é bravo e guerreiro, mas que também tem sentimentalismo e pode chorar. Em seu desenvolvimento com liberdade na construção das estrofes, presença de ritmos variados e densidade na elaboração dos perfis do herói principal, o poema busca um retorno ao que é considerado como nossas origens, um traço característico dos primeiros momentos do romantismo brasileiro, período da nossa história cultural envolto em sentimentos nacionalistas de uma terra recentemente independente, haja vista a conexão com a publicação deste clássico em 1851, hoje espalhado como um rizoma na era da reprodutibilidade técnica e transformado em história em quadrinhos, audiobook, dentre outros, faltando apenas um bom filme para utilizar a sua estrutura potencialmente assertiva como ponto de partida para um épico grandioso, ainda não realizado até então em nosso cinema, tampouco no sistema estrangeiro.

Considerado como uma das principais composições de Gonçalves Dias, Juca-Pirama aborda uma heroica jornada de tribos em embate, um choque para o olhar europeu civilizado, a contemplar os costumes do território brasileiro com assombro, haja vista a sua selvageria. Ao longo dos 484 versos dos 10 cantos deste clássico do romantismo brasileiro, nos deparamos com a narração do aprisionamento de um indígena Tupi que vivia na região litorânea de sua terra. Ele é solapado pelos Timbiras, agrupamento que habitava as zonas continentais interioranas. Tendo o deslumbre e a exuberância da vegetação local como cenário, o poema narrado com dramaticidade em terceira pessoa relata a trajetória de um personagem que fica à espera de seu sacrifício. Como de costume, quando alguém pertencente de uma tribo era vencido pelos rivais, a sua carne precisava ser apreciada para alimentação dos vencedores, figuras que poderiam adquirir os seus traços de personalidade guerreira e brava. Algo inesperado, por sua vez, se estabelece.

Antes de ser abatido, o índio recebe uma solicitação: narras as suas façanhas para que os seus inimigos tenha mais sabor ao transformar a sua existência em história. No relato, ele pede clemência e revela que é o único sobrevivente de sua tribo e, além disso, o porto seguro para o seu pai, um velho já cego que depende dele para tudo. Diante da declaração, o chefe dos Timbiras pede que o libertem, sem antes não deixar de chama-lo de covarde, traço característico que ele não desejava para os seus guerreiros. Quando volta para a sua aldeia, o pai cego, mas com olfato apurado, sente o cheio do produto utilizado para preparação dos prisioneiros de guerra e questiona o filho. Ao relatar à sua maneira a história, o pai o faz retornar de onde veio e assumir a sua posição heroica de enfretamento dos demais. O chefe dos Timbiras, por sua vez, conta o acontecido e o choro do indígena diante da morte. Revoltado, o representante Tupi amaldiçoa o seu filho, considerando-o um covarde, ainda exigindo postura de batalha.

Preocupado, o personagem se volta sozinho conta a tribo, mas o representante dos Timbiras consegue contornar a situação e muda o andamento das coisas, culminando no desfecho em que pai e filho reatam e retornam ao clima de companheirismo anteriormente solidificado. Em flashback, contada por gerações por um velho Timbira, acompanhamos esta empolgante história que pede um leitor com perspectiva diacrônica para tentar transformar a empreitada literária numa travessia de entretenimento, indo além da pura análise estudantil. É um poema complexo para o olhar contemporâneo, de passagens cifradas, preenchidas por vocabulário específico de uma época, mas no final das contas, lê Juca-Pirama é uma jornada satisfatória para os interessados em estruturas poéticas. O seu desenvolvimento é uma ilustração cabal daquilo a que somos apresentados durante os estudos da época escolar, isto é, a fase indianista do período romântico brasileiro, mencionado na abertura desta breve análise, conhecido por exaltar as belezas naturais e transformar a figura indígena num personagem heroico, puro, representante da brasilidade aflorada neste momento ufanista.

I- Juca Pirama (Brasil, 1851)
Autor: Gonçalves Dias
Editora: Dimensão
Páginas: 20

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