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Crítica | Ichi – O Assassino

por Guilherme Coral
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estrelas 4

Takashi Miike é um total, completo maluco. Com uma carreira como diretor iniciada em 1991, ele já chegou a dirigir mais de cem obras, em sua maioria longa-metragens, mas também alguns episódios de séries ou minisséries. Sua loucura, porém, não é limitada somente à sua assustadora prolificidade, ao lado desse fator temos as temáticas abordadas em suas obras, que rapidamente o transformaram em um dos atuais diretores japoneses mais cultuados, tanto fora quanto dentro de seu país. De forma alguma, porém, o chamo de louco de forma pejorativa, estamos falando de uma daquelas loucuras que vem como uma verdadeira dádiva para o cinema e por isso, em nossa coluna, Sábado de Sangueoptei por trazer um dos mais icônicos trabalhos desse realizador único, Ichi – O Assassino.

Adaptado do mangá de Hideo Yamamoto, de mesmo nome, o longa-metragem nos conta a história de Kakihara (Tadanobu Asano), o segundo em comando de uma gangue da Yakuza, cujo chefe desaparece misteriosamente. Nós, espectadores, sabemos que o líder da gangue fora assassinado por alguém chamado Ichi (Nao Ohmori), mas, ignorante a esse fato, Kakihara começa uma violenta investigação, repleta de morte e tortura para descobrir o destino de seu chefe. Pouco sabia ele, contudo, que um sádico homem arquitetava todos esses eventos, que levam à perseguição do protagonista e seu bando pelo assassino desconhecido, que pouco a pouco se torna famoso pela forma brutal como mata suas vítimas.

Ichi – O Assassino definitivamente não é um filme fácil de ser assistido. Miike procura mostrar toda a violência dessa história da forma mais visceral possível, na intenção de causar desconforto no espectador. Sua intenção é a de provocar um questionamento a nós mesmos acerca da necessidade de consumirmos tanta violência nos dias atuais. O interessante, porém, é que o diretor deixa que nós próprios tiremos nossas conclusões – sua narrativa dispensa julgamentos morais e exibe tudo de maneira crua, colocando no espectador a responsabilidade de enxergar isso como algo bom ou ruim. De fato, ao terminarmos a projeção, chegamos a ficar com uma grande repulsa em relação a essa forte violência gráfica, que não perdoa homem, mulher ou criança.

Mas não é sempre que enxergamos os momentos mais sanguinolentos do longa-metragem com nojo ou arrepios. Uma das mais famosas marcas do trabalho do diretor é a maneira como insere o absurdo e o inesperado em suas histórias e isso se faz presente principalmente nas sequências nas quais vemos Ichi “em trabalho”. Sua forma de assassinar, com lâminas em seus sapatos, que cortam qualquer um com uma facilidade inacreditável, gera necessárias risadas no espectador, funcionando como um mórbido alívio cômico dentro de tanto desconforto. Miike, portanto, coloca duas formas de violência em tela: a descontraída, inevitavelmente ligada ao humor negro e a visceral, que gera o questionamento sobre a necessidade da mesma.

O rebuliço causado na audiência, todavia, não se limita a seu estômago, visto que nossas mentes permanecem em um estado de quase total confusão durante a grande maioria do filme. Com constantes flashbacks e mudanças de foco, fica claro que Takashi Miike não pretendia entregar tudo mastigado a nós, exigindo do espectador que preste atenção redobrada ao que se passa em tela, o que dialoga perfeitamente com sua intenção de causar uma forte aversão através da imagem e do som – ao mesmo tempo que queremos tirar nosso olhar do filme, somos obrigados a não nos distanciar por um momento sequer. Infelizmente, essa progressão narrativa acaba soando exageradamente fragmentada em determinados momentos, provocando constantes quebras de imersão, que dificultam o fluir da obra.

Outro aspecto que prejudica nosso aproveitamento da obra como um todo são algumas das atuações, em especial a de Paulyn Sun, interpretando a personagem Karen. No filme, ela é uma chinesa que alterna entre o japonês e o inglês em suas falas e quando parte para essa segunda língua, chegamos a sentir até arrepios de tão terrível que sua interpretação se torna, visto que emprega um tom exageradamente dramático, que simplesmente não combina com o inglês – não podemos deixar de nos perguntar qual a necessidade dessa personagem falar dessa forma, visto que não afeta em absolutamente nada a narrativa. Felizmente, o trabalho perturbador de Tadanobu Asano balanceia essa equação, ao passo que ele nos entrega uma persona verdadeiramente assustadora e imprevisível, que, no fim, não sabemos se torcemos contra ou a favor.

Ichi – O Assassino é o exemplo perfeito do quão único é Takashi Miike. O que vemos nessas duas horas e nove minutos de projeção certamente não encontramos em mais lugar nenhum. O diretor é louco, sim, mas um louco que pode ser traduzido como um gênio de seu próprio estilo, visto que criou uma linguagem própria que simplesmente não há como ser copiada por qualquer um (e muitos tentaram). Temos aqui um filme de revirar o estômago e a cabeça, uma daquelas obras que nos deixa em choque após o seu término e que certamente merece ser vista por todos aqueles que tiverem coragem para tal.

Ichi – O Assassino (Koroshiya 1) — Japão, 2001
Direção:
 Takashi Miike
Roteiro: Sakichi Satô (baseado no mangá de Hideo Yamamoto)
Elenco: Tadanobu Asano, Nao Ohmori, Shin’ya Tsukamoto, Paulyn Sun,  Susumu Terajima, Shun Sugata, Toru Tezuka
Duração: 129 min.

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