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Crítica | Iluminadas – 1ª Temporada

Desafiando a noção de realidade.

por Ritter Fan
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Não sei quanto a vocês, mas eu faço de tudo para conferir qualquer coisa que tenha Elisabeth Moss no elenco desde que a conheci na estupenda série Mad Men. Ela não é uma daquelas atrizes performáticas, transformativas ou camaleônicas, mas ela consegue, como poucos de sua geração, criar personagens absolutamente fascinantes apenas com sua discreta, mas magnética presença diante das câmeras e mesmo quando os roteiros não fazem por onde. Mas Iluminadas, adaptação do Apple TV+ do livro homônimo da autora sul-africana Lauren Beukes, publicado em 2013, não tem só Moss como atrativo, mas também ninguém menos do que Wagner Moura em papel importantíssimo, com o ator falando um belo inglês, além de uma premissa intrigante e chamativa com raízes na ficção cientifica.

Como o trailer nada diz sobre a trama – ainda bem – serei também críptico para manter a presente crítica livre de spoilers. Basta dizer que Kirby Mazrachi (Moss) é uma arquivista do Chicago Sun-Times em 1992 que, anos antes, sobrevivera a um ataque violento que a deixou com cicatrizes físicas e psicológicas. A descoberta de uma mulher no esgoto da cidade morta com cortes idênticos aos dela a leva a investigar o caso, em que ela é ajudada pelo repórter Dan Velazquez (Moura). No entanto, tanto Mazrachi quando Velazquez são pessoas problemáticas, a primeira tendo dificuldade em saber o que é realidade e o que é ficção, tendo que manter um caderno com anotações básicas sobre sua vida e o segundo sendo um viciado em drogas e em álcool, o que o impediu de crescer em sua profissão.

Mas onde está a ficção científica a que aludi no primeiro parágrafo? Fiquem tranquilos, pois ela está lá e justamente na maneira como a realidade de Mazrachi é abordada e sua conexão com o serial killer Harper Curtis que ela persegue e que é vivido de maneira tensa e inquietante por Jamie Bell, com o personagem também guardando um segredo que se relaciona com as mudanças na arquivista. Mesmo que eu quisesse explicar em detalhes o que exatamente acontece na série, não sei se conseguiria, pois todo o conceito e lógica por trás do mistério é surpreendentemente original, ainda que seja importante que o espectador tenha consciência de que não receberá de bandeja explicações científicas ou mesmo místicas para o que acontece.

Afinal, como todo bom sci-fi, o que vemos é apenas um artificio engenhoso que tem como objetivo contar uma história sobre violência contra mulheres, sobre o trauma das sobreviventes e, subsidiariamente, sobre vício. Mazrachi teve sua vida radicalmente mudada pelo ataque que sofreu, algo que somente vemos muito vagarosamente, já que a série desenvolvida por Silka Luisa mantém tudo consideravelmente enevoado por um bom tempo, o que pode, desconfio, até mesmo afastar espectadores mais afobados, e ela vive sua vida passivamente até quando um assassinato que ecoa em seu passado a retira do torpor e a coloca em rota de colisão com o assassino, tornando-se, ao mesmo tempo, investigadora, repórter e fonte secreta de Velazquez que, então, precisa reconfirmar os fatos usando corroborações externas.

O interessante é que, com isso, a protagonista consegue ser uma mulher traumatizada que primeiro precisa lutar para não ser rotulada de louca quando começa a ver padrões onde ninguém mais enxerga nada, algo muito semelhante ao que vemos outras mulheres sofrerem por aí quando relatam abusos e violências contra elas. O subtexto de ficção científica está presente apenas para dar cor a essa abordagem que transforma a vítima em uma dupla vítima quando seu trauma passa a ser razão para desconfiar de tudo o que ela diz. Somente Velazquez, que, de certa forma, passa pelo mesmo tipo de crise de credibilidade, ainda que por razão completamente diferente, é que consegue criar empatia com Mazrachi e perceber que o que ela diz – e que por vezes realmente não faz sentido lógico se não soubermos do componente sci-fi -, por mais insano que pareça, realmente tem base.

Com os trabalhos de direção divididos entre Michelle MacLaren e Daina Reid, duas das melhores diretoras de televisão em atividade, além da própria Moss, com MacLaren impondo seu estilo com os dois primeiros episódios, a temporada é compacta e com uma linguagem visual única e rica que extrai grandes performances de Moss, Moura e Bell – meu único senão são sequências de flashback com Moss fazendo ela mesma mais jovem, o que me pareceu forçado tanto visualmente como em tom – e ao mesmo tempo lida com o mistério de maneira absolutamente intrigante a ponto de, em alguns momentos, ser benignamente frustrante.

Apesar de o próprio serviço de streaming em que a série reside tratar a obra efetivamente como uma série, dando a entender que haverá outras temporadas, confesso que não vejo razão alguma para que isso aconteça, a não ser que o objetivo seja entrar no perigoso território das explicações desnecessárias. Para todos os efeitos, Luisa criou uma minissérie com começo, meio e fim bem definidos, que conta com arcos narrativos completos para os protagonistas e o antagonista e que levam a um encerramento mais do que satisfatório e lógico dentro da premissa fantástica estabelecida. Não existe o detalhamento didático do como tudo que vemos ocorrer ocorre, mas isso é, para mim, completamente desnecessário, pelo que espero que Iluminadas acabe por aqui mesmo.

Mesmo que não acabe, porém, sua primeira “temporada” é um baita thriller sci-fi investigativo com uma premissa muito original para tratar de assuntos infelizmente muito reais, elenco de se tirar o chapéu capitaneado pela sempre relevante Elisabeth Moss e oito bem concatenados episódios que contam uma história violenta e dolorosa, mas igualmente irresistível e inteligente. Iluminadas é mais um grande acerto do Apple TV+ que tem inflado sua oferta de conteúdo próprio com muita qualidade e variedade.

Iluminadas – 1ª Temporada (Shining Girls – EUA, 29 de abril a 03 de junho de 2022)
Desenvolvimento: Silka Luisa (baseado em romance de Lauren Beukes)
Direção: Michelle MacLaren, Daina Reid, Elisabeth Moss
Roteiro: Silka Luisa, Alan Page Arriaga, Katrina Albright, Kirsa Rein, Naledi Jackson
Elenco: Elisabeth Moss, Wagner Moura, Phillipa Soo, Chris Chalk, Amy Brenneman, Jamie Bell, Christopher Denham, Madeline Brewer
Duração: 388 min. (oito episódios)

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