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Crítica | Inferno Vermelho

Policiais e Guerra Fria.

por Kevin Rick
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Inferno Vermelho tem uma abordagem interessante para um dos contextos históricos em que foi lançado (anos finais da Guerra Fria) e para os subgêneros populares da época (cinema de ação brucutu e buddy cops). Temos a velha dinâmica de dois policiais com personalidades opostas tendo que juntar forças e, ao longo do caminho, desenvolverem uma amizade, mas o roteiro de Walter Hill e Harry Kleiner realmente vai longe no extremo entre os protagonistas, colocando em tela um policial americano (James Belushi) e um policial soviético (Arnold Schwarzenegger) para formar uma equipe improvável.

O filme inteiro faz dicotomias, paralelos, piadas e até críticas ao socialismo e ao capitalismo. Por exemplo, os EUA é constantemente retratado como um lugar de luxúria, crimes, drogas e dominado pelo dinheiro, enquanto as poucas cenas na União Soviética trazem aquelas características militares e rígidas que estamos acostumados a ver no cinema americano, algo representado pelo próprio personagem de Schwarza, sempre com postura sisuda e feições fechadas. Até mesmo o antagonista, também russo, carrega uma certa frieza bem típica dos estereótipos dos anos 80 para qualquer personagem europeu, em especial os que vinham do grande inimigo político do Tio Sam.

Por muitas vezes o texto é mais óbvio e genérico do que perspicaz quando tenta dialogar entre as diferenças entre os dois sistemas de governos. Existe um certo didatismo ao demonstrar distinções de condutas sociais e sistemas econômicos (a dupla principal fala das diferenças dos países de tudo um pouco, passando por seguros de carro, métodos de interrogação, entretenimento, até modelos de armas), além de termos um momento extremamente político quando um homem negro fala sobre a exploração, marginalização e preconceito do governo estadunidense para com afro-americanos – um exemplo de uma ideia e de uma crítica interessante para um filme de buddy cop, mas com execução extremamente expositiva e narrativamente deslocada, já que não vemos nenhum efeito ou reflexão sobre isso no restante da história.

Inferno Vermelho anda em uma linha tênue entre descontruir estereótipos, como o fato de termos um protagonista soviético que não é seu típico “russo mal” da maioria de longas de ação dos anos 80, e de reforçar estereótipos com representações tão banais do que é capitalismo e do que é socialismo – capitalismo é sobre dinheiro; socialismo é sobre uma falsa ideia de igualdade. Acredito que o longa é mais interessante quando abraça os estereótipos para proporcionar humor, como quando o personagem de Belushi diz que vai ficar de fora de uma luta por ser um momento “russo demais”, fazendo alusão ao imaginário coletivo de que russos são todos fodões.

Os próprios protagonistas são estereótipos ambulantes, com Schwarza fazendo o europeu imbatível, enquanto Belushi é o americano que fala demais, se acha demais, e que ama a cultura de seu país (beisebol; Clint Eastwood; armas; etc). Infelizmente, tanto o roteiro quanto a direção não exploram os elementos cômicos a fundo, fazendo com que Arnold seja restringido a um personagem tediosamente sisudo, enquanto Belushi serve unicamente como alívio cômico.

Mas o problema principal é a narrativa pra lá de batida. Temos a velha abordagem de vingança, apresentada aqui de maneiras bastantes comuns do tipo “”você matou meu parceiro, agora quero te matar”, e também a amizade que vai se formando entre a dupla de protagonistas. Falta um certo carisma, falta humor e falta leveza numa direção que tenta ao máximo trazer algumas seriedades visuais que são bastante superficiais para criar um thriller – o roteiro não ajuda, considerando que temos 2/3 do mistério investigativo circulando uma chave de um armário e uma prostituta com dramas forçados. Confesso, porém, que gosto da estética urbana, da fotografia underground e as representações visuais do mundo do crime.

Capitalismo e socialismo podem coexistir? Não. Mas indivíduos de diferentes filosofias políticas e sistemas econômicos podem ser amigos? Com certeza. Talvez seja nessa representação simpática e empática sobre os extremos da Guerra Fria que o roteiro de Inferno Vermelho seja interessante, apesar da produção não ter substância para ser uma história verdadeiramente subversiva sobre estereótipos e não ser inteligente o suficiente para abordar com profundidade seus elementos políticos e sociais postos em tela. A premissa é curiosa, mas a execução é batida e genérica, faltando mais coragem e autoconsciência da equipe criativa para abraçar a galhofeira e se divertir com os estereótipos. Existe até uma sátira em algum lugar de Inferno Vermelho, mas, no fim, vemos mais um exemplar regular e trivial do cinema de buddy cop.

Inferno Vermelho (Red Heat) – EUA, 1988
Direção: Walter Hill
Roteiro: Walter Hill, Harry Kleiner
Elenco: Arnold Schwarzenegger, James Belushi, Peter Boyle, Ed O’Ross
Duração: 103 min.

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