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Crítica | Influencer de Mentira

A tragédia sempre será o palco.

por Felipe Oliveira
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Quem hoje não quer fazer parte de algo? Quem hoje não quer repercutir? Afinal, não é atoa que há tantos especialistas sobre várias coisas brotando rapidamente. “Você nunca quis ser notado, por qualquer motivo que fosse?”, é o que pergunta Danni (Zoey Deutch) em voz off enquanto somos instigados a entender o porquê dela ser cancelada… bem tentador. Pensar nas redes e no que o teórico Marshall McLuhan falava sobre os meios de comunicação como extensão dos sentidos do homem, aponta em como, na Internet, experimentamos mudanças constantes pela forma que ela se ramifica. Neste caso, a Internet é um ambiente, um meio, atrelado às inovações tecnológicas, extensões que criamos, dividida entre as diversas plataformas com as quais o homem interage. Por exemplo, é um pacote que envolve muitos sentidos ao pegarmos um smartphone, deslizarmos o dedo pela tela, ouvir e assistir a um vídeo ao mesmo tempo; e isso se amplia quando usamos um fone de ouvido, porque faz a percepção e imersão serem mais profundas do que o som no alto-falante.

Por outro lado, há a interação das redes sociais: os comentários, os compartilhamentos, os emojis, as curtidas e seguidores. Esses são uns dos principais aspectos que circundam os parâmetros de engajamento na web e reverberam para os impactos sociais, de forma física e psicológica impressos no ambiente virtual, porque, seja qual for o “meio”, ele se conecta em como nos relacionamos, sendo uma ampliação disso. Conforme a tecnologia evolui, isso também remete aos nossos hábitos a ela condicionados. Se pararmos para pensar, são reações que foram ganhando ressignificações dado o grau de inter-relação entre usuário e plataforma, sempre acompanhada da sensação de ansiedade da postagem e seu rendimento. O ato simples de postar um status no Facebook sobre o nível de humor, onde iria, o prato do dia e o livro que está lendo, para alguns, seria apenas se comunicar, informar o que está sendo feito, para outros, acarretava uma validação, a atenção e alcance comparados ao número de amigos acumulados no perfil.

Nessa era de influencers digitais, pessoas com capacidade de influenciar outras pela produção de conteúdo e opinião que compartilham em seus perfis, a editora de imagens de uma revista online, Danni, é também aspirante a escritora querendo verbalizar com as ansiedades contemporâneas. Nesse trecho, já podemos perceber que em meio a sua personalidade problemática, a jovem adulta tem um anseio de produzir com base nas postagens dos influencers que acompanha, falando de suas futilidades como se fossem grandes questões, o típico arquétipo do white people problems. Então, nessa fase estagnada de sua vida, em que se sente frustrada por não publicar os artigos controversos e por não namorar o boy maconheiro que é gamada, Colin (Dylan O’Brien), Danni descobre uma forma de engajar nas redes sociais com sua falsa viagem a Paris, até que um ataque terrorista afeta a cidade, mas nada mais fácil do que agora ser celebridade como uma vítima sobrevivente.

Fazendo uma sátira ao vazio oriundo do estilo de vida imposta pelas redes, Quinn Shephard concentra muito bem essa representação na figura de Danni, a colocando como uma esponja que absorve os parâmetros online e a todo custo quer fazer parte da mídia que influencia. Embora surja como um lembrete e a sensação de culpa pela mentira criada, o homem de capuz e máscara preta funciona como uma alegoria às personalidades que assumimos virtualmente e ao falso engajamento que isso promove. Tal característica, é referente ao homem suspeito de ter promovido o ataque a Cidade Luz, usado no relato dramático de sobrevivência de Danni depois que viu uma imagem nos portais de notícia. Assim, essa figura de rosto oculto personifica o comportamento millennial de aderir rapidamente ao que tem sido tendência. Instantaneamente, um membro de uma banda morre e um perfil nas redes estoura com sua história motivacional de como é fã. Danni nada poderia falar sobre o que é ser sobrevivente de um atentado porque nunca foi vítima, e o que ela faz é justamente usar da linguagem virtual para movimentar um discurso fomentado de introspecção que faz as pessoas “alcançarem” uma versão tão reflexiva que seriam sinceras sobre si mesmas.

De uma simples editora problemática e detestada, agora todo mundo morre de admiração por aquela que é sobrevivente e popularizou umas hashtags. Então, a pauta que abordava uma tragédia agora se trata do que é dito sobre tragédia, pela suposta vítima que engajou um movimento que faz outros influencers e perfis aleatórios engajarem com suas histórias, o que faz pensar que seria questão de tempo até outra pessoa repercutir com uma nova fala em cima do que foi dito por Danni, ou outra tragédia ser apenas palco para as pessoas falarem delas mesmas, fazerem sua autopromoção. É um ciclo. E de forma hábil, Shephard provoca a audiência ao transitar sobre os comportamentos que contornam as redes sociais como Instagram, TikTok e Twitter, tanto para quem produz quanto para quem reage aos conteúdos.

Porém, ainda que seu foco seja fazer um estudo de usuários e o campo digital, Shephard se perde no uso de ferramentas que potencializam sua abordagem. Um exemplo, é a cena de abertura que parece um documentário ao sintetizar de maneira crível a cultura do cancelamento, mas esse tom é esquecido na premissa que se apoia na fórmula das comédias românticas para fazer sua sátira. É como se Danni fosse a jovem adulta mal resolvida que faz tudo para ser notada por quem é apaixonada e no final descobre o verdadeiro amor, mas há uma ironia nisso, ao Danni ser vendida como uma protagonista problemática branca que ainda espera “remissão”. Ela fez burrada e merece uma segunda chance como alguém que reconhece que se aproveitar de uma tragédia foi extremo ou ela foi uma vítima dos dilemas das redes, o sistema de algoritmo que afeta a saúde mental? Danni se sente o tempo todo anestesiada, num estado em que nunca sabe como realmente está, e o falso engajamento por sua fama de sobrevivente não mudou em nada essa sensação, depois de tanto querer ser alguém que influencia.

Ao contrário de conhecer o verdadeiro amor, Danni conhece alguém que realmente foi vítima de um atentado, e isso cria um choque para sua mentira, graças a Rowan – cá entre nós, foi graças a performance potente de Mia Isaac. Mas apesar de usar da fórmula para questionar se Danni é uma vítima (o que lembra aqui os estudos apontando as problematizações relacionadas ao recurso de visualizar o número de curtidas no Instagram) ou uma megera, é também por recorrer a esse modelo narrativo que a Influencer de Mentira perde a força quando poderia envolver, por exemplo, o tópico do exposed e enriquecer essa sátira. A sensação é de que Shephard tem um bom argumento que tende a crescer em projetos futuros, mas não será essa a sátira memorável sobre os dilemas das redes.

Influencer de Mentira (Not Okay – EUA, 2022)
Direção: Quinn Shephard
Roteiro: Quinn Shephard
Elenco: Zoey Deutch, Mia Isaac, Nadia Alexander, Negin Farsad, Embeth Davidtz, Dylan O’Brien
Duração: 100 min.

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