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Crítica | Insônia, de Stephen King

por Rafael Lima
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Sendo um escritor conhecido especialmente por seu trabalho dentro do gênero terror, não é surpresa nenhuma que Stephen King sempre tenha trabalhado em seus livros com a temática da finitude da vida. Mas em 1994, próximo de completar cinquenta anos, King se utilizou pela primeira vez de forma significativa da confrontação da finitude da vida na perspectiva da velhice; algo que começaria a aparecer com cada vez mais frequência em sua bibliografia à medida em que o escritor foi ganhando conhecimento de causa ao ele mesmo ultrapassar a casa dos sessenta.

Insônia acompanha a história de Ralph Roberts, um sexagenário morador da cidade de Derry, que após a morte da esposa, passa a sofrer de uma insônia gradativa, dormindo cada vez menos a cada noite que passa. Ao mesmo tempo, a tensão em Derry está a ponto de explodir, com os debates sobre a questão do aborto tornando-se perigosamente acalorados, graças à palestra que ocorrera na cidade em alguns dias, dada pela maior defensora do direito ao aborto no país, Susan Day. Quando Ralph começa a enxergar a aura das pessoas e estranhos “médicos anões” que rondam a região, o velho viúvo percebe que pode ter sido arrastado para o centro de um confronto milenar. Enquanto seu corpo começa lentamente a rejuvenescer, Ralph precisa descobrir o que as misteriosas forças que estão agindo em Derry esperam dele.

Com Insônia, o romancista aborda uma série de questões delicadas, como o direito ao aborto, a violência doméstica, o fanatismo por determinadas causas — independente do lado escolhido –, e até mesmo questões mais abstratas como o velho duelo entre desígnio e acaso… destino e livre arbítrio. Ao mesmo tempo, como muitos dos personagens da história são sexagenários, King apresenta de forma bem cativante o universo da 3ª idade. A obra explora como essas pessoas encaram a vida em seu ato final, quando seus corpos já não são mais os mesmos que eram antes: a morte está indiscutivelmente mais próxima e os parentes passam não só a acreditar que seus idosos já não são mais capazes de cuidar de si mesmos, mas também a vê-los como um estorvo. É uma visão mais tradicional da velhice e até clichê, mas não menos verdadeira.

Mas não só de questões intimistas é feito este livro. A partir da segunda metade, a obra ganha todo um escopo épico de ação e suspense que deixa o leitor tenso e ansioso para conferir a página seguinte, embora talvez se torne épico demais para o seu próprio bem ao se aproximar de sua conclusão. King bebe na fonte do mito grego das Parcas para construir a parte fantástica da narrativa, ao trazer versões bem características das figuras mitológicas de Cloto, Laquesis e Atropos, assim impulsionando o conflito entre desígnio, acaso e livre arbítrio, que é um dos motores do romance. Mas se são nestes trechos que a narrativa se torna mais empolgante, é também onde os personagens mais interessantes são deixados de lado para dar atenção a uma das personagens mais chatas que o romancista já criou: Lois Chase.

A senhora que se torna parceira de Ralph em sua jornada ao sofrer ao sofrer da mesma estranha insônia que ele e compartilhar de seus dons, é extremamente chata, aquele tipo de personagem que o leitor fica torcendo para que morra logo pela artificialidade com a qual é construída. King investe tempo demais em uma relação romântica totalmente artificial entre Ralph e Lois, que não convence nem um pouco, como se sentisse a necessidade de dar um interesse amoroso para o protagonista. É uma pena observar que em um período de sua carreira em que passou a rever o destaque dado a suas personagens femininas e a forma de trabalhá-las em obras como Eclipse Total, Jogo Perigoso e Rose Madder, o autor faça da principal personagem feminina da história o clichê mais raso possível do interesse amoroso irritante.

Para aqueles que conhecem a obra de Stephen King de forma mais detalhada, o livro conta com referências a outras duas obras do escritor, It e A Torre Negra. A trama se passa em Derry, mesma cidade que foi aterrorizada pelo palhaço Pennywise, alguns anos depois da derrota da Coisa pelas mãos do Clube dos Perdedores adulto com muitas referências aos eventos dessa história e até mesmo uma pequena participação de Mike Hanlon, o último Perdedor a permanecer na cidade. A própria noção de uma cidade supostamente bucólica (excetuando os palhaços assassinos cósmicos) se transformar em um perigoso caldeirão de ódio diante do debate do aborto conversa bem com a polarização que vivemos atualmente, reforçando também o conceito que já havia sido estabelecido em It do quão errada é a população de Derry. Mas as referências maiores acabam sendo mesmo aos livros de A Torre Negra, com o terceiro ato compartilhando até mesmo um importante personagem da Saga do Pistoleiro, o que acaba soando um pouco exagerado e abrupto na minha opinião.

No frigir dos ovos, Insônia é um bom livro de Stephen King. Apesar de ser relativamente extenso (são quatrocentas e poucas páginas), é uma obra bastante magnética. A trama nunca se permite ficar monótona, mantendo uma boa sucessão de acontecimentos em um ótimo ritmo, o que garante a atenção do leitor. A narrativa também consegue trabalhar com temáticas sociais e filosóficas bastante instigantes de forma coerente e respeitosa. Mas a obra acaba ficando longe de figurar entre os grandes trabalhos do King, devido a atenção demasiada que passa a ser dada a alguns personagens bem desinteressantes, e um 3º ato que peca por uma megalomania não muito orgânica, sendo infelizmente este um dos casos em que King não soube terminar a sua história.

Insônia (Insomnia)- Estados Unidos. Setembro de 1994
Autor: Stephen King
Editora Origina: Viking Press
Editora Brasileira: Editora Objetiva, 2001
Tradução: Lia Wyler
404 páginas

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