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Crítica | Intermediário do Diabo (A Troca)

Terror psicológico intermediado por um bom drama investigativo.

por Iann Jeliel
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SPOILERS MODERADOS

Entre o final da década de sessenta e o início da década de oitenta, o cinema de horror talvez tenha vivido seu período mais criativo. Intermediário do Diabo (ou A Troca, título quando houve seu lançamento) fez parte dessa leva que priorizou a criação da atmosfera por meio do medo do desconhecido. Até por isso, foi uma fase de ouro ao subgênero sobrenatural. Filmes como O Exorcista, Terror em Amityville e A Profecia foram referências a este longa-metragem, mesmo que seu primeiro título brasileiro seja um tanto mentiroso, pois a ameaça do enredo passa longe de ser demoníaca, como nos filmes mencionados. Ou seja, Peter Medak buscava aqui algo genuinamente mais psicológico, em que a construção atmosférica, pelo menos em metade da duração, causasse aquela dúvida padrão sobre as assombrações serem reais no cenário do casarão mal-assombrado, ou sequelas criadas pelo trauma do protagonista.

Por mais que essa dúvida não se sustente na segunda metade por algo alegórico, existe essa etapa na intenção ao processo de desenvolvimento da tensão. Ao abrir na primeira cena com a morte da família de John Russell (George C. Scott), o diretor já mostra objetivamente e com bastante impacto imagético qual seria esse trauma (que serve como fonte de fácil envolvimento emocional) e pode desenvolver com calma o drama paranoico dele estar relacionado ou não com assombrações, na sequência. Há uma crescente muito bem calculada de eventos estranhos que ele presencia, num desenvolvimento raro de tão cuidadoso, capaz de tornar verossímil a subversiva ideia de uma reação não cética à possibilidade do sobrenatural e à necessidade de sua comprovação. O trauma que ajudou numa primeira simpatia acaba sendo sugerido como conectivo, para que o telespectador compre a instigação do personagem sem fazer com que ele pareça burro por isso.

Especialmente porque as aparições fantasmagóricas são bem sutis, inofensivas, sem um intuito perigoso que ligue uma urgência de ele ter de escapar daquela casa de imediato, mas tensas o suficiente para prender a atenção do público na falsa sensação de que virá um susto. Mesmo quando a possibilidade de conversar com a psique do personagem é “descartada” para dar lugar a uma história totalmente paralela, existe uma correlação ao drama particular, em que permanece plausível a motivação de ele ir mais a fundo. O medo acaba surgindo a partir da confirmação de existência da assombração na cena da médium conversando com o espírito. Apavorante, a sequência é um divisor de águas na história, que passa a não trabalhar mais a dúvida (embora ainda elabore o terror do intuitivo) e mergulha num teor mais investigativo policial, que traz o medo para a categorização do trauma que levou à origem do espectro.

Da metade para frente, apesar de ter algumas das cenas mais emblemáticas do terror, a história acaba perdendo força pelo seu próprio diferencial, no qual a crença fiel do protagonista em fazer justiça ao místico diminui nosso anseio de que algo possa vir a acontecer com ele. Nisso o bom desenvolvimento de personagem acaba sendo subaproveitado para potencializar o efeito no clímax. Diferentemente de Os Outros, de Alejandro Amenábar (que já destacou Intermediário do Diabo como uma de suas maiores referências), as respostas do mistério levam a narrativa para seu lado mais sombrio. Não há uma subversão da periculosidade do fantasma pelas motivações descobertas, mas a confirmação desse perigo ao descobri-las. Teoricamente isso deveria trazer um final mais enervante, mas nessa altura da história o personagem já estava muito seguro de sua condição com relação ao fantasma, a ponto de não parecer preocupado com imprevistos, que realmente não acontecem – com exceção da excelente cena da cadeira de rodas envolvendo a personagem Claire (Trish Van Devere).

Por ser um filme que vai se revelando sem linhas metafóricas por trás da temática presente sobre abandono infantil e luto, Intermediário do Diabo também perde um pouco do seu valor psicológico, ainda que tenha um desenvolvimento de atmosfera muitíssimo charmoso e genuinamente apavorante em muitos momentos. Um clássico muito bem executado que merece ser mais descoberto.

Intermediário do Diabo (A Troca) – (The Changeling | Canadá, 1980)
Direção: Peter Medak
Roteiro: Russell Hunter, William Gray, Diana Maddox
Elenco: George C. Scott, Trish Van Devere, Melvyn Douglas, Jean Marsh, John Colicos, Barry Morse, Madeleine Sherwood, Helen Burns, Frances Hyland, Ruth Springford, Eric Christmas, Roberta Maxwell, Bernard Behrens, James B. Douglas, J. Kenneth Campbell, Chris Gampel, Voldi Way, Michelle Martin, Janne Mortil, Terence Kelly, Robert Monroe, Paul Rothery
Duração: 115 minutos

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