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Crítica | Interrupção

por Luiz Santiago
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estrelas 2

Quando você exige quase duas horas de tempo de uma audiência, é necessário que tenha um bom motivo para isso. Mas em Interrupção (2015), quase tudo o que o diretor e roteirista Yorgos Zois tem é arrogância, afogando-nos em um abismo dentro do abismo de uma peça de teatro pós-moderno, que encena uma tragédia grega clássica em um teatro no centro de Atenas.

O filme quase se auto-proclama “da-arte-para-a-arte”, e encena uma interrupção da tragédia de Orestes, que é na verdade uma trilogia, composta por Agamemnon, Coéforas e Euménides. A trama é inicialmente muitíssimo interessante por dois motivos. Primeiro, porque se baseia em um caso real ocorrido em 2002, em Moscou, quando um grupo de chechenos tomaram como reféns os 850 espectadores que estavam no teatro naquela ocasião. O caso foi amplamente noticiado e ganhou o nome de “crise dos reféns do teatro de Dubrovka”. Segundo, porque o diretor nos desafia o tempo inteiro. E este desafio na forma como fazer um cinema experimental acaba sendo a melhor coisa da obra.

No começo, tudo no filme funciona. O roteiro não nos engana e de imediato nos faz entender que a obra será dentro de um teatro e terá a encenação de uma peça como mote. O texto é instigante. A “interrupção” do título, é mais ou menos parecida com a da crise dos reféns do teatro de Dubrovka, só que não em sua forma violenta. Os espectadores são convidados ao palco para ajudarem a encenar a peça. Algo “diferente” que o diretor preparou para aquela montagem. E ele, claro, faz o papel de Coro, mas também de diretor, anunciando destinos, definindo partes da trama, entregando e retirando papeis, guiando a ida-e-vinda de todos para lugares do palco e pelo espaço do teatro.

Os primeiros sinais de problema já aparecem graves: a interrupção é longa demais. Se por um momento imaginássemos que o improvável fosse a linha central da peça, um pouco como Polanski fez em A Pele de Vênus, por exemplo, ficaria fácil aceitar, pois saberíamos da força da arte e das migalhas da vida, com o ciclo se fechando sobre cada uma delas ao final. Nenhum problema até aí. Em Interrupção, contudo, não existem linhas divisórias entre real e ficção. Uma vez feita a interrupção, o tema desaparece dentro dele mesmo, cavando cada vez mais fundo, abrindo janelas para outros Coros, para a tragédia dentro da tragédia, até a catarse e o nonsense.

Esse tropeço pode trazer uma pequena luz de genialidade no miolo da fita, que é a mescla de personas, a enorme ambiguidade dos mundos e camadas absurdas que se estabelecem no palco. Entre máscaras e selfies, entre prisões e desejo de liberdade, vemos ali um pouco de O Anjo Exterminador e Pina, dois universos que exploram os atores e os separam de seu verdadeiro eu e dois universos que usam o espaço da tela e do palco para criar versões do real e variações do imaginário, ao ponto de não sabermos quem imita quem. Parece inteligente, certo? E é inteligente! O problema é que ao contrário das duas influências citadas, Yorgos Zois deixa a arte sem uma base que a sustente; a realidade questionada e ao mesmo tempo sugerida; a arte como criadora do caos pelo caos.

De cenografia precisa e atuações muito boas na primeira parte, o filme fará o espectador pensar sobre os limites entre o autor, o ator e o espectador. Quem coloca um pouco de si em quem? A obra pertence só a quem a escreveu e dirigiu ou também ao espectador? As perguntas são válidas e só existem porque em algum momento, Interrupção tem coerência o bastante para fazê-las, mas uma fez completada a fase um da interrupção, o filme jamais irá voltar à boa linha narrativa inicial que teve.

***

SPOILERS!

NOTA INTERPRETATIVA: particularmente, achei a cena final, com a dança naquele baile, de uma inutilidade colossal. Em dois momentos do filme, as personagens citam que “dançaram até o dia amanhecer com um rapaz“. Seria aquela a representação desta fala? O momento antes da peça? O dia antes? Ou seria aquela a representação atual de espectadores que veriam a peça no dia seguinte? E, por último, o que exatamente significa aquilo dentro do filme? Se vocês têm teorias e opiniões sobre esta cena, por favor, também deixem isso nos comentários. Da sala onde eu estava, as reações foram as piores possíveis (quase metade saiu antes do filme terminar) e eu fui conversando com algumas pessoas, perguntando, mas cada um parecia ter entendido uma coisa diferente. O que vocês entenderam?

Interrupção (Interruption) — Grécia, França, Croácia, Itália, Bósnia-Herzegovina, 2015
Direção: Yorgos Zois
Roteiro: Yorgos Zois
Elenco: Alexandros Vardaxoglou, Maria Kallimani, Alexia Kaltsiki, Christos Stergioglou, Maria Filini, Vasilis Andreou, Natassa Brouzioti, Labros Filippou, Nikos Flessas, Pavlos Iordanopoulos
Duração: 109 min.

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