Home FilmesCríticas Crítica | Invasão Zumbi 2: Península

Crítica | Invasão Zumbi 2: Península

por Iann Jeliel
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O primeiro Invasão Zumbi é espetacular! Não chegou a revigorar o gênero de zumbis na modernidade, mas esse, assim como o faroeste, volta e meia entrega obras revisionistas que apresentam novas ideias ou grandes execuções que vão mantendo-o vivo ao longo dos anos, sendo o filme sul-coreano possivelmente o maior expoente da última década. Com um sucesso comercial internacional considerável, não era muito difícil de prever o surgimento de uma continuação, afinal, a popularidade boca a boca construída pelo primeiro, com grandes méritos de sua enorme qualidade, possibilitou brechas suficientes para a criação de uma franquia que facilmente se venderia novamente, tanto no mercado interno como no exterior. Assim surgiu Península, que não se trata exatamente de uma continuidade à história do primeiro filme, mas uma paralela se passando no mesmo universo.

Sendo uma nova história, feita quatro anos depois e contando com o mesmo diretor do primeiro – o cineasta Sang-ho Yeon -, a impressão é de que apesar da grande oportunidade comercial, o surgimento desse novo filme tinha princípios tão autorais quanto o primeiro. Infelizmente, nesse caso, é somente um autorismo de envelope, um selo de diferenciação com o cerne estético do cinema sul-coreano, mas carente das características substâncias que o tornam tão especiais como dramaturgia. Por exemplo, uma dessas características mais singulares é a qualificação em misturar gêneros. Inevitavelmente comparando, o primeiro possuía essa mescla entre o terror clássico de zumbis, na gráfica de gore que cria seu caráter intimidador, e a intensidade de um filme de ação reativo, inspirado na mudança de chave do início do século com Extermínio, de Danny Boyle, que transformou os mortos-vivos em infectados velocistas para serem ainda mais intimidadores.

Era uma mistura muito bem feita, porque a decupagem se inspirava no dinamismo fluido típico do cinema de ação ocidental, encorpando-o no sequenciamento situacional de um início de apocalipse. A continuidade ainda tem a vantagem de nem precisar se preocupar com esse equilíbrio, principalmente porque, por se tratar do mesmo “criador” do universo, seria fácil, como foi, reintroduzi-lo sob uma óptica futura, no caso, já em condição de distopia. O filme na verdade nem perde muito tempo nisso e consegue ser bem objetivo e eficaz nesse restabelecimento e na nova introdução a conceitos já diretamente relacionados ao ambiente momentâneo. Tem-se até uma ponte de identidade aí, focada em cenários, o primeiro é a estação de trem, o segundo, a península, ainda que ela seja bem ampla, o diretor posiciona essa condição de “cenário personagem” como forma de amplificar ainda mais a mistura de gêneros, trazendo quase que um filme de máfia dentro do universo zumbificado.

No papel são ideias extremamente estimulantes, mas na prática, o processo conectivo entre elas é no mínimo facilitado, não só uma vez, mas várias e exponencialmente a cada próximo movimento de trama. Basicamente, as escolhas infelizes dos personagens são o que move os conflitos da trama e possibilitam as grandes viradas e impactos dramáticos do filme. Em um outro contexto, algumas das escolhas irracionais tomada por eles poderiam até ser plausíveis, se não criassem problemas tão grandes e ao mesmo tempo tão evitáveis. Isso vai tirando a empatia que até sentimos por alguns e impossibilita a redenção solúvel de outros. Fora que todas essas escolhas são tomadas em plena consciência, o que dificulta ainda mais a suspensão da descrença em aceitá-las como um surto irracional.

Ao longo do filme, o roteiro vai se perdendo nessas conveniências e a divisão de gêneros vai se separando a ponto de não se tornar mais uma mescla, e sim um filme de ação, de drama e de zumbis, separadamente, em que nenhum é bom. O primeiro por conta de um excesso de CGI na decupagem que causa estranhamento desde o início e só piora em artificialidade, conforme a crescente grandiloquente das sequências. As de perseguição em carros são até empolgantes em termos de soluções, não condeno de forma nenhuma o exagero delas, lembram até um Mad Max: Estrada da Fúria, só que todo digital, o que impede esse pé a mais na insanidade e as torna estranhamente falsas. A segunda já é prejudicada pela primeira por seguir reges realistas incoerentes com o universo do filme, mas piora com a presença gritante do melodrama, com direito a trilha melosa e final conduzido por supercâmera lenta, berros e choros extremamente bregas.

Mas é na terceira que Península é mais decepcionante, e a principal ameaça é imperdoável. Não que seja ruim entrar no território “humano como maior e verdadeira ameaça”, mas não se pode ignorar os zumbis, nem na ameaça gráfica eles têm impacto – classificação indicativa diminuída, mais público alcançado –, para os desdobramentos de ação, então, eles são quase como armas de fácil manipulação a favor de quem os usa. Tudo bem que os personagens ali já mostram algum domínio de sobrevivência apocalíptica, mas ao mesmo tempo em que eles são inteligentes algumas vezes para usar os infectados como pão e circo, como justificar as atitudes burras que eles têm outras vezes? É a incoerência final para o telespectador se desprender completamente da narrativa.

Percebam que os problemas não estão exatamente vinculados à falta de criatividade, mas por uma preguiça na competência de execução do diretor por ter entrado na zona de conforto. Com mais orçamento, ainda que “baixo”, ao invés de se desafiar com mais recursos práticos, ele praticamente os abandona e torna seus zumbis um monte de bonecos computadorizados sem densidade, sobre os quais os carros passam sem sofrer qualquer impacto que dificulte o malabarismo da ação, somente quando é para um determinado personagem morrer, porque ele tinha que morrer naquele momento. É um filme bem frustrante, ainda que apresente boas ideias para um gênero saturado, com a referência do primeiro, fica difícil não conter a decepção.

Invasão Zumbi 2: Península (Busanhaeng 2 | Coreia do Sul, 2020)
Direção: Sang-ho Yeon
Roteiro: Sang-ho Yeon, Yong-jae Ryu
Elenco: Dong-won Gang, Jung-hyun Lee, Re Lee, Hae-hyo Kwon, Min-Jae Kim, Kyo-hwan Koo, Do-yoon Kim, Ye-Won Lee
Duração: 116 minutos

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