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Crítica | Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita

por Luiz Santiago
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Livremente baseado em Crime e Castigo de Dostoiévski, Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita é um dos grandes filmes políticos italianos dos anos 1970, longa essencial do diretor Elio Petri sobre o abuso e corrupção do poder e da moral.

A história nos traz Gian Maria Volonté em uma excelente interpretação (e com a maior cara de John Hamm em Mad Men) na pele de um alto comissário de polícia que mata a amante e planta provas no apartamento dela para que as suspeitas se dirijam a ele. O objetivo final do crime experimental era provar para si mesmo que ele era inatingível por ser o tal cidadão acima de qualquer suspeita do título.

Sendo um representante do poder e exercendo seu papel hierárquico sobre as pessoas que possivelmente o acusariam, o personagem consegue desviar de si a possibilidade externa de ser um criminoso, mesmo que todas as suspeitas e provas estejam claras. Como ele mesmo diz, tudo foi feito para provar algo. Não é preciso dizer que essa crítica ao poder policial/militar e, por tabela, Judiciário, causou um enorme desconforto dentro e fora da Itália à época em que foi lançado. Alguns núcleos sociais acabaram desprezando o filme tanto por essa sua visão de um sistema de coação cuja própria atividade é corrupta, segregacionista, racista, homofóbica e despótica, quanto pela abordagem socialista/anarquista (revolucionária, em resumo) trabalhada no plano de fundo.

Através de uma fotografia esmaecida e montagem experimental, com um ritmo narrativo de colagem entre presente, alucinações e flashbacks, Elio Petri acompanha os bastidores de uma instância de poder público rechaçar manifestantes políticos e estabelecer planos de censura e repressão de movimentos sociais de todas as ordens, especialmente estudantis. A sombra dos acontecimentos de maio de 1968 influenciaram Petri e Ugo Pirro a colocarem um ponto crucial do passado recente da Europa como “novo momento” para a paranoia ou histeria de repressão dos governos sobre qualquer um que ousasse fazer perguntas ou se colocar contra a ordem estabelecida.

À medida que o filme avança, percebemos que a arrogância do protagonista cresce de maneira assustadora e sua ousadia beira o ridículo. Ele literalmente faz de tudo para ser pego mas é ignorado pelo sistema do qual faz parte. A dinâmica mostrada é evidentemente a da instituição que se recusa a mostrar ao mundo os seus erros uma vez que admiti-los poderia colocar em dúvida sua credibilidade, engrossando a voz dos inimigos e abrindo caminho para mais contradição popular. Fica evidente que enquanto a voz contrária à força for a minoria, a possibilidade de assustar ou mover os responsáveis por quaisquer crimes que sejam é praticamente zero. A opinião pública não é importante e o sistema protege bem os seus próprios erros. É o cenário perfeito para o estabelecimento de um ciclo vicioso.

A música de Ennio Morricone, cujo tema principal se divide em três arranjos orquestrais; o primeiro similar à Psycho Suite de Bernard Herrmann e os outros dois, de maneira muito cínica, aos desenhos animados fabulares e absurdos, delineia o tom irônico que o roteiro cultiva com cuidado. Petri utiliza muito bem esse recurso musical como segunda voz dramática ou possível indicação de comicidade a determinadas situações. O resultado final é uma obra política imperdível, crua, com um elenco digno de aplausos (a cearense Florinda Bolkan, que interpreta Augusta Terzi, teve neste filme a sua primeira atuação de grande destaque) e um conceito crítico que marca muito bem a geração de Elio Petri, ele mesmo, um ativista político. Aqui, o cineasta não só realiza um dos seus melhores e mais importantes filmes mas também dá uma aula de como as instituições que detêm o poder representam a grande diferença entre a teoria e a prática das palavras Sistema Judiciário.

Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto) – Itália, 1970
Direção:
Elio Petri
Roteiro: Elio Petri, Ugo Pirro
Elenco: Gian Maria Volonté, Florinda Bolkan, Gianni Santuccio, Orazio Orlando, Sergio Tramonti, Arturo Dominici, Aldo Rendine, Massimo Foschi, Aleka Paizi, Vittorio Duse
Duração: 112 min.

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