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Crítica | IO – Os Últimos da Terra

por Marcelo Sobrinho
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As recentes produções da Netflix dentro do gênero sci-fi não têm sido nada exitosas. A celeuma causada pelo lançamento de Bird Box evidenciou como a plataforma tem amargado maus resultados nesse gênero, mesmo quando empreende uma divulgação sem precedentes de mais um filme promissor com essa temática (mas que não passa de promessa mesmo). O enorme número de cátedras da sabedoria que surgiram com explicações das mais delirantes e estapafúrdias para Bird Box só atesta como a Netflix falha em produzir filmes sci-fi (agora com o subtipo pós-apocalítico) que se sustentem por aquilo que o cinema é de fato: roteiro, direção, fotografia, etc. Mas a persistência da plataforma de streaming é digna de nota. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar pior. Invertida aqui a máxima beckettiana, é claro.

Assim chega ao escopo da Netflix mais um filme sobre apocalipse. IO, dirigido por Jonathan Helpert, faz uma aposta interessante – tal como A Estrada, de John Hillcoat, investe na ideia da solidão de dois personagens em meio à imensidão de um planeta devastado e abandonado. A diferença clara são os resultados que cada filme obtem com essa premissa. O filme de Helpert, com uma cinematografia competente e interessante, até consegue transmitir a ideia de um planeta estranho e, até certo ponto, irreconhecível para os próprios humanos. A fotografia de André Chemetoff tinge os planos (especialmente os mais abertos e que exibem o pôr do sol e o amanhecer) com tons de verde e lilás um tanto aberrantes e enigmáticos. Mas a boa premissa de IO e o belo trabalho de seu fotógrafo não encontram correspondência no restante do filme.

O maior fracasso do filme é, sem dúvidas, seu roteiro. Paupérrimo de conteúdo, insere as subtramas envolvendo os pais dos protagonistas Sam (Margaret Qualley) e Micah (Anthony Mackie) para tentar dar algum relevo às suas histórias e motivações. A única coisa que o roteirista alcança aqui é tornar o filme arrastado, enfadonho e sem nenhuma capacidade de envolver o espectador. Pela ausência de situações realmente dramáticas, desafiadoras e angustiantes a oferecer para seus personagens, IO cai na esparrela mais óbvia – apela para um romance tolo na tentativa de envolver o público em seu enredo sonolento. Com um roteiro tão fraco, parecem até zombaria as passagens em que o longa-metragem cita O Banquete, de Platão, e Leda e o Cisne, de Paul Cezanne. Para esconder seu vazio e sua falta de inspiração, IO tenta colocar a pulga atrás da orelha dos mesmos “sábios” que brincaram de “intelectuais” em Bird Box.

Mas não cola. Não só pelo péssimo trabalho de roteiro. As atuações de Qualley e Mackie estão absolutamente pálidas e aquém, possivelmente, de suas reais capacidades. Algo que sofre inequívoca influência da fragilidade do roteiro no desenvolvimento de personagens, é claro. Além disso, a direção de Jonathan Helpert ora se exime de dizer qualquer coisa, com enquadramentos genéricos, tímidos e com pouquíssima intenção narrativa, ora tenta nos transmitir algo e falha miseravelmente. Posso dizer que não me lembro de ter assistido a um filme que usa os planos-detalhe de modo tão gratuito. Não satisfeito em tentar uma vez, o diretor repete a dose diversas vezes ao longo da projeção e, em todas elas, não alcança rigorosamente nenhum significado. Não traduz a dor da protagonista Sam. Nem suas dúvidas. Nem sua solidão. Nem sua coragem. Nada. Absolutamente nada. O que vemos é, literalmente, uma mão, um olho e uma peça de roupa.

Acumulando tantos equívocos em tão pouco tempo, IO tenta retratar a destruição do planeta em um futuro próximo, mas a única coisa que consegue mesmo é demonstrar os esforços da própria Netflix em tentar destruir o gênero sci-fi pós-apocalíptico.

IO – EUA, 2019
Direção: Jonathan Helpert
Roteiro: Charles Spano, Clay Jeter, Will Basanta
Elenco: Margaret Qualley, Anthony Mackie, Danny Huston
Duração: 96 minutos

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