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Crítica | Irma La Douce

por Luiz Santiago
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Billy Wilder não esperava que Irma La Douce conseguisse o sucesso de público que conseguiu. Na verdade, o diretor não tinha bons presságios em relação ao filme, que começou perdendo dois atores que o cineasta inicialmente imaginou para compor o elenco: Charles Laughton, no papel de Moustache (que inclusive tinha concordado em interpretar o personagem) e Marilyn Monroe no papel de Irma. Wilder havia trabalhado com os dois anteriormente (O Pecado Mora ao Lado e Testemunha de Acusação) e queria repetir a dose. Ambos os atores, porém, morreram no segundo semestre de 1962 (Marilyn em agosto, antes de a produção começar, e Laughton em dezembro, pouco antes de as filmagens oficiais começarem). Em 5 de junho de 1963, Irma La Douce fazia a sua estreia na Cidade de Nova York, e em pouco tempo se tornaria um verdadeiro fenômeno.

Repetindo a dupla extremamente simpática que dirigiu em Se Meu Apartamento Falasse (1960), Wilder nos leva para o subúrbio de Paris, onde conhecemos Irma (Shirley MacLaine, excelente no papel), uma prostitua notória por seu amor à cor verde, por ter uma cachorrinha que leva para todos os lados e por sua doçura. O texto faz uma apresentação bastante cínica do lugar, concluindo que é ali que existe vida, movimento e paixões ardentes… enquanto “o lado nobre” de Paris simplesmente dorme. É nesse ambiente urbano, com seus cafetões, corrupção dos policiais e a atividade apenas teoricamente ativa pela polícia que o honesto Nestor Patou (Jack Lemmon, impagável!) chega para trabalhar e se choca com a realidade oficiosa da região, sendo rapidamente engolido por ela.

O roteiro de Wilder e I.A.L. Diamond procura criar o humor a partir das mudanças morais pelas quais Nestor passa. O contraste entre a visão de mundo do personagem, seu pensamento sobre as pessoas e sua aplicação da lei num território “onde a lei não deve tocar” acabam por colocá-lo numa situação em que seus valores entram em crise e, para sobreviver, ele acaba se adequando ao lado moral que sempre criticou. Ao contrário de algumas leituras que fazem do filme, não vejo aqui uma crítica à prostituição. O diretor apenas desenvolve a sua comédia a partir do contraste entre coisas que estão dentro e também fora da lei, sem precisar fazer pregações ou algum tipo de pensamento mais sério sobre isso. Ao contrário, na verdade. O “valor burguês“, como diz o personagem de Moustache, é ridicularizado e abordado a partir de um de seus mais comuns aspectos: o da hipocrisia daqueles que o pregam, que supostamente o defendem, mas não o cumprem.

Essa relação entre pessoas de classes e pensamentos diferentes cria uma série de situações engraçadas, especialmente após Nestor apaixonar-se por Irma e fazer de tudo para que ela pare de se prostituir. Nesse processo, a comédia de situação é aberta, sempre aproveitando o excelente lado físico de Jack Lemmon e a postura dramática e inocente de Shirley MacLaine. O contraste entre a abordagem dos atores serviu muito bem aos personagens, cada um encontrando o humor por uma via distinta, algo que o diretor faz questão de delinear nas cenas em que a dupla está junta. Os diálogos rápidos, a comédia de duplo sentido, de confusão de palavras ou de erros ganha destaque à medida que o filme avança, conseguindo encerrar a obra no mesmo tom interessante, cômico e inteligente que teve em seu desenvolvimento.

Talvez as muitas situações abertas no miolo da fita sejam um empecilho para a obra crescer mais. O roteiro se quebra em muitas partes e precisa resolver uma porção de problemas em diferentes estilos de comédia (física, literal, simbólica), constantemente abandonando um núcleo e depois tendo dificuldade de voltar organicamente a ele. Ainda assim, o encaminhamento divertido e absurdo do final não trai a essência da película, que fala abertamente sobre grandes mudanças na vida de uma pessoa e como novos amigos e um novo cotidiano podem ser um tesouro inesperado que alguém precisava, mas não sabia.

Irma La Douce (EUA, 1963)
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Billy Wilder, I.A.L. Diamond (baseado na obra de Alexandre Breffort)
Elenco: Jack Lemmon, Shirley MacLaine, Lou Jacobi, Bruce Yarnell, Herschel Bernardi, Hope Holiday, Joan Shawlee, Grace Lee Whitney, Paul Dubov, Howard McNear, Cliff Osmond, Diki Lerner, Herb Jones, Ruth Earl, Jane Earl, Tura Satana, Lou Krugman, James Brown, James Caan
Duração: 147 min.

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