- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e de tudo sobre It.
Antes uma temporada de série que começa mal e acaba bem do que uma que começa bem e acaba mal. O primeiro ano de It: Bem-Vindos a Derry não sabia muito bem o que queria ser em seu começo, atirando para todos os lados e errando quase todos os alvos, seja desperdiçando linhas narrativas, perdendo o foco em bons personagens e fazendo uso tolo de computação gráfica fraca com design de produção que mais fazia rir do que assustar e, mesmo assim, assustar apenas crianças de cinco anos, não mais do que isso. A partir do sexto episódio, a temporada veio em um crescendo, ainda que não deixando os problemas completamente para trás, por eles já estarem embrenhados na narrativa, chegando ao seu ápice no sétimo e ganhando um caótico epílogo que peca pelo exagero, pela introdução de um novo conceito completamente do nada e, claro, um pique-árvore que chega a ser cômico.
Sim, um pique-árvore. Todo o confronto envolvendo crianças bisbilhoteiras, adultos perdidos, nativos quase inúteis e a Força Aérea malvadona, além de, claro, uma criatura extradimensional maligna e superpoderosa que, sei lá porque cargas d’água, tem como forma favorita a de um palhaço dançarino, acaba se resumindo a um pique-árvore em um rio congelado por um nevoeiro (seria uma referência àquele nevoeiro?) que toma conta da cidade de Derry, com o objetivo de cravar a adaga feita do material do cometa que trouxe a Coisa para a Terra em uma árvore milenar para mais uma vez criar a jaula mística para o monstro. Escrevo em tom de gozação, pois confesso que morri de rir vendo o palhaço correndo em câmera lenta para chegar na árvore antes de as crianças, também em câmera lenta, conseguirem fazer o que tinham que fazer, mas, no fundo, a ideia consegue até ser bacana, uma espécie de redução instantânea do macro para o micro, transformando algo de proporções gigantescas em não mais do que uma corrida.
Gostei de Pennywise aqui, gostei da maneira como Dick Hallorann, mesmo quase em coma, conseguiu enganar mentalmente a criatura com sua iluminação e, sobretudo, gostei da forma como o espírito de Rich foi usado, com duas sequências muito bonitas com sua participação, uma dando uma mãozinha a seus amigos e outra abraçando seus pais em seu enterro, com direito a Dick narrando o que estava vendo. Por outro lado, a presença da Força Aérea como uma força sinistra e assassina capaz de atirar na direção de crianças e de matar quem quer que seja pelo plano mais idiota da história dos planos idiotas me pareceu muito vontade de encontrar vilania na Humanidade, algo que poderia ter retornado ao preconceito racial, assunto completamente esquecido aqui, com a saída mais simples do mundo para Hank Grogan, mesmo que, para todos os efeitos, ele tenha morrido no Black Spot.
Mas o que realmente me decepcionou – e não deveria ter decepcionado, pois era óbvio que algo assim seria feito pela necessidade quase doentia de repetir mil vezes de que tudo se passa em apenas um universo – foram as conexões feitas com os filmes de Andy Muschietti. No lugar da sutileza, o roteiro de Jason Fuchs e a direção de Muschietti escolheram o caminho do elefante na loja de louças tirando da cartola a existência desgarrada do tempo da Coisa, que experimenta passado, presente e futuro simultaneamente, tudo para fazer de Marge uma Tozier e de Rich Tozier uma criança batizada em homenagem a Ricardo “Rich” Santos em uma daquelas sequências que paralisa toda a história sendo contada para introduzir um novo conceito “esperto”, e, claro, explicá-lo em todos os detalhes possíveis para o espectador, com direito até a um dénouement que faz com que as crianças suponham que a Coisa pode tentar matar seus pais quando mais novos. Quando eu falo que surpresas não podem ser completamente despregadas da construção narrativa anterior, é isso que estou querendo dizer. O surpreendente somente com o objetivo de ser surpreendente é exatamente o que Alfred Hitchcock famosamente condenou quando lecionou sobre a diferença entre surpresa e suspense. O primeiro é fácil de fazer, o segundo dá trabalho e joga um jogo arriscado, mas tem ganhos muito maiores. Aqui, o roteiro fez o mais banal e, ainda por cima, sem nenhuma sutileza, não que eu realmente espere sutileza de Bem-Vindos a Derry.
O exemplo acima foi apenas o mais flagrante, pois as conexões não param, chegando até mesmo a 1988, com Ingrid Kersh, idosa (no último papel de Joan Gregson, falecida em junho de 2025, que volta a viver a personagem na franquia), “confortando” a jovem e traumatizada Beverly Marsh (Sophia Lillis também retornando) diante de sua mãe morta. Se essa “cena pós-crédito” fosse a única conexão, ela teria peso real. Do jeito que ela foi apenas mais uma entre tantas, ela perdeu sua solenidade e tensão, mesmo que tenha levemente ressignificado a mesma “profecia” da filha de Bob Gray no filme. A substituição da arte de contar história pela arte de costurar um universo compartilhado é dolorosa e cansativa, assim como é transformar histórias de terror em histórias de ação. Nem tudo precisa seguir a cartilha do Universo Cinematográfico Marvel e nem tudo precisa sacrificar narrativa por fan service. Brasas no Inverno encerra a temporada inaugural da série de maneira espalhafatosa e simplificada que acaba representando um leve retrocesso em relação aos dois episódios anteriores, mesmo que, no final das contas, ele provavelmente seja festejado, como O Black Spot certamente foi, como a melhor coisa já feita na História da TV desta semana. No entanto, como disse, fico feliz em constatar que a temporada pelo menos não acabou no nível abissal que começou.
It: Bem-Vindos a Derry – 1X08: Brasas no Inverno (It: Welcome to Derry – 1X08: Winter Fire – EUA, 14 de dezembro de 2025)
Desenvolvimento: Andy Muschietti, Barbara Muschietti, Jason Fuchs (baseado em romance de Stephen King)
Showrunners: Jason Fuchs, Brad Caleb Kane
Direção: Andy Muschietti
Roteiro: Jason Fuchs
Elenco: Clara Stack, Amanda Christine, Blake Cameron James, Arian S. Cartaya, Matilda Lawler, Taylour Paige, Jovan Adepo, Chris Chalk, James Remar, Peter Outerbridge, Rudy Mancuso, Stephen Rider, Alixandra Fuchs, BJ Harrison, Kimberly Norris Guerrero, Joshua Odjick, Madeleine Stowe, Miles Ekhardt, Bill Skarsgård, Emma-Leigh Cullum
Duração: 69 min.
