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Crítica | It’s Never Over, Jeff Buckley

A voz que deixou o mundo da música dos anos 1990 em choque.

por Luiz Santiago
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Ao retratar a vida, a carreira e as relações de Jeff Buckley, a diretora Amy Berg não se deixou levar pela aura de mito em torno do cantor. Esmiuçando a produção do artista californiano através de material nunca antes exibido, a cineasta está muito mais interessada em fazer o público conhecer um homem profundamente avesso à exposição pública, uma estrela ansiosa e desconfortável com o tipo de atenção reificada que recebia, mesmo que, no âmbito profissional e no sentido de “ser admirado pela música”, precisasse dessa exposição. O documentário não tenta resolver esse desconforto e nem criar teorias sobre ele, apenas exibe o que havia para exibir e mostra o quanto Buckley parecia sentir, em suas canções, uma grande tragédia se aproximar. Pode parecer estranho, mas não há nada forçado nessa aproximação. A cineasta só observa a nuance artística e a entrega ao espectador sem narração que a suavize e sem trilha melosa. É nesse ponto temos uma das melhores coisas de It’s Never Over, Jeff Buckley: uma condução que não tenta ser mais triste ou trágica que a própria história do biografado.

A escolha de centralizar as mulheres que conheceram Buckley intimamente (mãe, namoradas, confidentes) em detrimento de críticos e figuras públicas tem, aqui, o efeito de apagar a atmosfera de autoridade e de conceitos oficiais da narrativa. Sem um porta-voz que hierarquize a história, o que se vê na tela são tensões genuínas e relacionáveis. Mary Guibert protegendo aquilo que criou, Rebecca Moore com a memória de quem amou alguém impossível, Joan Wasser testemunhando os últimos meses… todas essas vozes competem pelo mesmo espaço de significado, trazendo um desconforto narrativo muito bem arquitetado pela diretora, e que importa mais que qualquer síntese floreada. O maior exemplo disso é quando Guibert reproduz a última mensagem deixada por Buckley. Nesse ponto, a câmera não se move desnecessariamente, não faz drama. Ela permanece observando uma mãe ouvindo o filho já ausente falar como se ainda houvesse tempo. E o efeito disso sobre o público é gigantesco.

Para realizar a digitalização do arquivo pessoal de Buckley, a produção teve acesso a décadas de material que Mary guardava: fotos, vídeos, diários, cartas, cadernos com anotações musicais. Sem o investimento e a atenção que recebeu (para vocês terem uma noção, Brad Pitt é um dos produtores executivos da obra), teríamos uma criação refém do que já é publicamente conhecido, caindo nos mesmos lugares, focando no mito-Buckley, lamentando a perda ainda jovem e ressaltando nuances mais do que óbvias sobre o músico. O que vemos aqui, portanto, é um Buckley adolescente desajustado, seus estudos em papel, as inúmeras tomadas de estúdio (prova de seu perfeccionismo) e um homem para quem a música era o único lugar onde conseguia existir sem se sentir atormentado.

It’s Never Over é um ótimo documentário, a despeito de sua tendência a perder o ritmo e a não mostrar mais do lado espinhoso do cantor (há, portanto, uma camada de incompletude em questão). Essa boa qualidade se dá pelo fato de a diretora não jogar com conclusões prontas e ficar apenas rondando uma única linha de contexto do biografado. Buckley permanece contraditório na tela: não é reduzido a símbolo, não ganha medalha de mártir, não vira ícone anacrônico de questões mentais/emocionais e não se torna mola para uma lição de moral. É o respeito pela complexidade humana e a não simplificação do que é fragmentado que faz o longa funcionar tão bem. Sem dramatização excessiva, sem fechamento fantasioso e sem autoridades professorais para nos distrair da tese central, o filme mostra um homem em processo de construção e desconstrução; algumas de suas contradições e a percepção de quem permaneceu para testemunhá-lo. O restante, sua música já faz. 

It’s Never Over, Jeff Buckley (EUA, 2025)
Direção: Amy Berg
Roteiro: Amy Berg
Elenco: Mary Guibert, Ben Harper, Rebecca Moore, Michael Tighe, Parker Kindred, Kate Hyman, Andy Wallace, Michele Anthony, Karl Berger, Don Ienner, Merri Cyr, Susan Silver, Aimee Mann, Matt Johnson, Gene Bowen, Dave Shouse, Joan Wasser, Jack Bookbinder
Duração: 106 min.

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