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Crítica | J. Edgar

por Guilherme Rodrigues
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Ao final de J.Edgar, após a morte do seu protagonista, vemos o presidente americano da época, Richard Nixon, discursa para a imprensa, anunciando a morte do quase lendário diretor do FBI, e dizendo, entre outras coisas, que lamenta a morte de uma pessoa que considerava seu amigo pessoal. Enquanto isso acontece, vemos agentes federais vasculhando o escritório de Hoover, em busca de documentos secretos que possam comprometer o presidente. Essa dualidade, entre o que se diz e faz em público, e o que ocorre por trás das cortinas – ou no íntimo das pessoas – é central a esse trabalho biográfico.

Isso pois, muito longe de querer construir um retrato elogioso dessa figura polêmica, mas tão indissociável da história dos Estados Unidos enquanto país, ou de pintá-lo como um monstro, Clint Eastwood retrata Hoover como um homem completamente desconectado de si mesmo. Uma pessoa tão apegada a certos ideais que o levam a entrar em dissonância com o seu íntimo. É, ao seu modo, uma desconstrução do homem responsável por um dos grandes símbolos dos EUA, o FBI, e também um dos filmes que mais coloca pra baixo a ideia de Clint Eastwood como um cineasta americanófilo ou puramente conservador, suas obras sempre são bem mais complexas do que alguns críticos lhe dão crédito.

J. Edgar acompanha, naturalmente, John Edgar Hoover, interpretado por Leonardo DiCaprio fundador do FBI e seu diretor por 37 anos, até a sua morte em 1972. O longa se divide em duas linhas temporais, com o diretor já idoso fazendo sua biografia, enquanto se preocupa com Martin Luther King e o assassino de Kennedy, e o passado, com o jovem Hoover e seu ainda infante departamento tendo que conquistar respeito e autoridade, enquanto busca novos modos de investigação, como vasculhar impressões digitais e ciência forense no geral. Sempre presente nas duas linhas está a raiva do protagonista pelos “radicais e comunistas” que a todo momento ameaçam destruir a América.

O longa não está interessado na construção do FBI em si, mas os momentos que se dedicam a mostrar esses aspectos mais, digamos, técnicos dessa história, há uma convergência com a desconstrução da figura de Hoover proposta pelo filme. Menos que grandes sacadas pelo personagem principal, o trabalho de investigação do FBI é evidenciado por serem levados a frente por figuras quase anônimas dentro da trama, como o cientista que descobre onde certo pedaço de madeira, pertinente a investigação de um sequestro, foi cortado. Enquanto o diretor da instituição recebe um olhar mais crítico, a instituição em si é sempre tratada como importante e vital.

Biografias costumam ser obras que idealizam os biografados, “não fale mal dos mortos”, como diz o ditado americano, mas J. Edgar busca encarar a pessoa em questão de frente, e não tem medo de tornar explícito certos fatos tidos como ambíguos, sempre fazendo questão de enfatizar que o foco da história é um homem, importante, claro, mas ainda um homem, não herói ou coisa do tipo. A começar pelo próprio título, que abre mão do sobrenome “Hoover”, pelo qual o personagem é mais comumente referido como, e também pela mise en scenè sem grandes afetações que marca todos os filmes recentes de Eastwood, tudo muito direto e objetivo, mas ao mesmo tempo uma câmera muito atenta para mostrar certas afetações de Hoover. Para mostrar que ele não admite que alguém esteja mais baixo que ele, por exemplo, há um breve plano mostrando que sua mesa está sobre uma espécie de palanque apoiada por livros. Na cena seguinte ao elogiar a lareira no escritório de justiça, vemos ao fundo, no escritório de Hoover, trabalhadores realizando ajustes necessários para que uma lareira seja instalada.

Colocando ainda mais em choque a ideia de Hoover enquanto ícone, está a relação dele com sua mãe, Anne Marie (Jude Dench) e com seu parceiro, Clyde Tolson (Armie Hammer). Anne é, efetivamente, a única mulher da sua vida, com quem desabafa e com que sempre morou até a morte da mesma, mais por uma relação de dependência afetiva do que carinho verdadeiro. Já Tolson é o amor da vida de Hoover, e é interessante observar como Hammer é fotografado quando o protagonista se lembra dele, sempre com uma luz no rosto, deixando em evidência não só os belos traços do personagem – há muita ênfase no físico dos personagens ao longo do filme – mas também dando um ar de adoração ao agente. A relação com Tolson representa os poucos momentos de afeto de Hoover com outra pessoa, mesmo que esporádicos. Tolson é o caminho não tomado de Hoover, que poderia fazer com que tudo fosse diferente.

Mas não foi diferente. “Até hoje existem grupos que têm a América como alvo, desejando destruir a felicidade de cada indivíduo” diz a narração de Hoover em certo momento, enquanto vemos o próprio, sentado, absolutamente infeliz. O pôster de J.Edgar mostra o personagem com postura combativa, com a bandeira americana ao fundo. Nada mais distante do que o filme busca tratar. Esta é a história de um homem vaidoso, mesquinho, arrogante, mas acima de tudo, perdido de si mesmo.

J. Edgar (USA – 11 de Outubro de 2011)
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Dustin Lance Black
Elenco: Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Judi Dench, Naomi Watts, David A. Cooper,Josh Hamilton, Geoff Pierson, Gunner Wright.
Duração: 137 min.

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