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Crítica | Jack Reacher – Livro 1: Dinheiro Sujo, de Lee Child

O soldado errante.

por Kevin Rick
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Jack Reacher é um nômade. O ex-militar finalmente está livre da carreira no exército, vagando pelos EUA em um mundo civil que ele não se encaixa, mas que ele quer conhecer pela primeira vez após uma criação inteira em bases militares. No momento que o livro começa, Reacher está passando por Margrave, uma cidadezinha no meio do nada no estado da Geórgia. Uma amálgama de clichês, o personagem é parte Rambo, parte Jack Ryan e parte Sherlock Holmes. Músculos, cérebro e treinamento militar. Mas ele não está em um caso ou missão. E, ainda assim, em menos de uma hora é preso sob a acusação de assassinato em um interior que nunca havia colocado os pés. Basicamente, Reacher é o cara errado na hora errada, ou, melhor dizendo, o cara certo para resolver a situação errada.

O próprio autor Lee Child caracteriza seu protagonista como um “cavaleiro errante”, um tipo de personagem clássico em romances medievais que acompanha um herói vagando por terras estranhas em busca de aventura. Jack Reacher não está necessariamente procurando aventura, mas há sim uma qualidade de estranho misterioso e solitário que cai de cabeça em uma situação que não estava envolvido no primeiro livro sobre Reacher. Nesse sentido, Child nos traz uma tábula rasa de personagem, um que já vimos em muitas histórias batidas, mas o autor sabe como trazer humor e carisma ao seu estereótipo ambulante. Com narração em primeira-pessoa, Reacher é um retrato de herói dos anos 80; descontraído, calmo e preparado, ao mesmo tempo que tem a mente afiada de um investigador de contos britânicos – não por acaso, Lee Child é britânico, apesar deste romance ter quase todos os elementos de uma obra americana.

A partir daí, a abordagem narrativa de Child me surpreendeu um pouco. Tive meu primeiro contato com seu personagem nas adaptações cinematográficas protagonizadas por Tom Cruise, então estava esperando um livro detetivesco mesclado com ação, mas há raras passagens de socos e chutes em Dinheiro Sujo. Child se interessa muito mais pelo processo investigativo, criando uma narrativa extremamente instigante, apesar de contar com um mistério simplista: “por que estão acusando Reacher?”. O autor inicialmente expõe um ato prisional, posteriormente partindo para uma investigação buddy cop urbana e por fim aumentando a escala do enigma para uma falsificação de dinheiro em proporções globais. E tudo de maneira surpreendentemente orgânica, completando um quebra-cabeça narrativo em constante expansão, ótimos blocos divergentes e cheio de figuras tangenciais enigmáticas.

É verdadeiramente interessante acompanhar este errante tentando escapar do esquema à medida que puxa um fio investigativo interminável. Minha única ressalva ao desenvolvimento narrativo está na inserção do irmão do protagonista no enredo, transformando a premissa de uma aventura aleatória de Reacher em uma história cheia de coincidências e conveniências atrapalhadas. A intenção é proporcionar algum nível de complexidade dramática ao protagonista, o que termina não acontecendo, e que na minha opinião não era necessária considerando que estamos lendo um clichê carismático participando de uma investigação cada vez mais complicada, violenta e sombria. A essência de Dinheiro Sujo está na casualidade da situação e seus desdobramentos, então a escolha de Child por tornar a situação mais, digamos, pessoal e familiar, não funciona organicamente. Felizmente, o deslize pouco atrapalha o progresso da trama em si.

Por fim, meu maior receio antes de ler Dinheiro Sujo estava no seu tamanho absurdo. O tipo de história contada me soava bem distante de necessitar mais de 500 páginas, mas o calhamaço terminou sendo a consequência de um ótimo processo investigativo, cheio de etapas e pequenos segmentos, indo de sobreviver na prisão, trabalho urbano batendo em portas, ficando de tocaia e algumas perseguições, até um desenrolar sobre falsificação de dinheiro (e uma pequena camada política) inesperado. Tenho, porém, problemas com a prosa de Child no percurso da história. O autor é competente com diálogos e descrições (inclusive os poucos momentos de ação), mas sua escrita desconhece o conceito de vírgulas, se tornando um banho de frases fragmentadas em parágrafos cheios de pontuação. Isso atrapalha a fluidez da leitura e chega a irritar antes de aos poucos se acostumar com seu estilo.

No mais, Lee Child não oferece nada especial na sua primeira empreitada com o famoso Jack Reacher. É um personagem comum dentro de um thriller eficiente. Mas há o que se gostar neste “rambo sherlockiano” divertido tentando descobrir porque uma cidade no meio do nada parece atrair tanta morte e violência, e especialmente por qual motivo o envolveram. No final, o errante termina sua “aventura” resolvendo o caso e partindo em sua vida nômade, provavelmente para esbarrar em outros problemas considerando os mais de vinte volumes da série.

Jack Reacher – Livro 1: Dinheiro Sujo (Killing Floor) — Reino Unido, 1997
Autor: Lee Child
Publicação original: Bantam (Reino Unido), Putnam Publishing (EUA)
522 páginas

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