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Crítica | Jack Ryan – 3ª Temporada

Velha guarda demais?

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas da série e de todos os filmes protagonizados por Jack Ryan.

Se eu tivesse que escolher apenas uma característica favorita na série Jack Ryan seria a que eu mencionei diversas vezes em minhas críticas anteriores: o quanto ela é uma obra de espionagem e ação no estilo velha guarda tanto na questão de como os temas são abordados, como também no uso parcimonioso de efeitos especiais exagerados, com privilégio absoluto de efeitos práticos. E isso de forma alguma quer dizer que suas histórias são antiquadas e que a série parece de alguma forma ser produto de outras eras. Muito ao contrário, é interessantíssimo notar como ela consegue ser atual e, além disso, como ela consegue ser visualmente muito contemporânea, ainda que sem os cansativos fogos de artifício usuais.

É bem verdade que essa versão de Ryan, vivida muito bem por John Krasinski, é bem diferente do Ryan mais estrategista dos livros de Tom Clancy ou mesmo de grande parte dos normalmente ótimos filmes com o personagem. No entanto, nunca vi problema algum nessa versão mais, digamos, “soldado Ryan” (he, he, he) de Krasinski, pois o ator sabe reter os melhores traços de seu personagem mesmo quando está armado até os dentes e lutando por sua vida em algum lugar remoto do planeta.

Mas porque eu comecei falando disso, alguns perguntarão. Simples: tudo tem um limite e, para mim, os limites foram ultrapassados na terceira temporada da série tanto no quesito premissa temática quanto no quesito “soldado Ryan”. Como vocês podem ver da nota final que dei, ainda é uma temporada bem acima da média e uma verdadeira diversão repleta de momentos de tensão pela Grécia, República Tcheca e Rússia, com interessantes e bem atuais aspectos geopolíticos – afinal, em geral, a temporada fala da “reconstrução da União Soviética” com a provocação de uma guerra – e um Krasinski ainda sólido em seu papel, mas a grande verdade é que essa temporada é mais pesadamente velha guarda que as anteriores, além de fazer de Jack Ryan quase que exclusivamente um soldado capaz de qualquer coisa e não exatamente um analista da CIA, o que retira muito da caracterização do personagem, mais do que nas temporadas passadas.

Apesar da atualidade do assunto, quando reduzimos a temporada à sua essência, o que os roteiros fazem é transformar a história em uma versão de uma narrativa bélica qualquer sobre a Guerra Fria, quase como se fosse uma produção dos anos 80 desenterrada para ser transformada em série em pelo século XXI. Eu sei muito bem que, de uma forma ou de outra, as bases da Guerra Fria permanecem firmes em fortes no cenário mundial, mas o que eu quero dizer é que a abordagem, aqui, pareceu mais claramente antiquada e mais diretamente conectada com a boa e velha estrutura narrativa de “Ryan tenta fazer o certo, Ryan é perseguido por todo mundo, Ryan se encalacra mais a cada episódio, Ryan mostra que está certo, Ryan faz tudo quase que sozinho”. Ou seja, Jack Ryan, aqui, é muito mais um arquétipo de personagem do que um personagem de verdade.

Jann Turner, Kevin Dowling e David Petrarca, a trinca de diretores responsável pela temporada, consegue ser muito eficiente nas sequências de ação, ainda que faltem a elas aquele “algo a mais” que havia muito claramente nas temporadas anteriores. É como se eles estivessem presos pela temática, ancorados a uma abordagem mais clássica, sem liberdade de personalizar e atualizar visualmente a história. Até mesmo o enfoque em Ryan é formalista, distante, sem privilegiar o ator, mas sim o personagem, ou seja, sem individualizá-lo para além do “aquele ali é o Jack Ryan, viu?”, algo que o porte de Krasinski torna muito fácil a identificação. Chega a ser uma pena que esse terceiro ano de Jack Ryan possa ser muito facilmente disfarçado de uma obra noventista qualquer dentro do mesmo tema.

Quase que caminhando na direção contrária do que comentei acima, por outro lado eu gostei muito dos flashbacks para a Rússia no final dos anos 60, que dão peso, formação e contextualização a Luka Goncharov e Petr Kovac, vividos, no presente, pelos veteranos James Cosmo e Peter Guinness, o primeiro carregando uma melancolia de pecados do passado e, o segundo, uma vilania com verniz de nacionalismo “inocente e justificado”, com os roteiros dedicando, ainda bem, tempo considerável para trabalhar os dois personagens. Luka é o espião experiente por excelência cujas motivações demoram a ficar claras, assim como sua fidelidade e suas exatas intenções. Petr, por sua vez, pai de Alena Kovac (Nina Hoss), a presidente da República Tcheca, é um homem amargurado que carrega em seu coração apenas o objetivo de restaurar a “glória” passada de sua amada União Soviética, nem que isso significa manipular sua própria filha.

São personagens tão interessantes que eles chegam a eclipsar o próprio Jack Ryan que, perto deles – especialmente de Luka – parece um grande e desengonçado peixe fora d’água, mesmo quando está em companhia de Mike November (Michael Kelly), agora aposentado da CIA, mas ainda ativo em outras áreas mais escusas. Mas Ryan não está sozinho nessa secura, pois é muito estranho ver a presidente de um país de relativa relevância na geopolítica atual e essencial para a temporada, tornar-se uma personagem que participa ativamente da ação, ainda que ciceroneada por um James Greer (Wendell Pierce de volta a seu excelente papel) que jamais duvida de Ryan em momento algum desde que ele descobre a conspiração que envolve até mesmo a explosão de uma bomba nuclear tática indetectável.

O terceiro ano de Jack Ryan mostra um pouco de cansaço ou, talvez melhor dizendo, um pouco de falta de ousadia. Não é nenhum pecado capital, pois isso acontece nas melhores séries e, dentro de seu gênero, Jack Ryan é sem dúvida uma das melhores da atualidade. Fica a torcida para que a quarta e última temporada reerga a série ao nível quase inacreditável a que chegou no segundo ano.

Jack Ryan – 3ª Temporada (Idem, EUA – 21 de dezembro de 2022)
Desenvolvimento/showrunners: Carlton Cuse, Graham Roland (baseado em personagem e romances de Tom Clancy)
Direção: Jann Turner, Kevin Dowling, David Petrarca
Roteiro: Vaun Wilmott, Amy Berg, Jennifer Kennedy, Dario Scardapane, Marc Halsey
Elenco: John Krasinski, Wendell Pierce, Michael Kelly, Betty Gabriel, James Cosmo, Peter Guinness, Nina Hoss, Alexej Manvelov, Mikhail Safronov, Adam Vacula, Anton Pampushnyy
Duração: 414 min. (oito episódios)

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