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Crítica | Joana d’Arc (1999)

por Guilherme Coral
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estrelas 4

Após nos trazer fortes e memoráveis personagens femininas de sua criação, como Nikita, Mathilda e Leeloo, Luc Besson decide se distanciar do futuro de sua última obra, O Quinto Elemento e olhar para o passado, nos entregando um retrato de uma das mulheres mais importantes da História. Em Joana d’Arc, o diretor novamente mergulha intimamente na psique de sua personagem principal, sabendo mesclar a história conhecida com a criada por ele próprio, colocando a fé e a loucura de mãos dadas, dificultando nossa diferenciação entre cada uma delas.

Para isso, Besson e Andrew Berkin dão o início de seu roteiro ainda na infância da heroína francesa, quando sua vida é revirada por um ataque inglês que não só destrói sua cidade, como provoca a morte de sua família. Com essa semente plantada, o texto abre brecha para constantes indagações por parte do espectador e dos outros personagens, colocando em cheque as supostas visões e mensagens de Deus que a menina recebe. Seriam não apenas reflexos de seu trauma de infância? A pergunta se estende para as próprias motivações da garota em liderar as tropas contra os britânicos – não seria este apenas um forte sentimento de vingança, solidificado com o passar dos anos?

Dando ainda mais propriedade a tais dúvidas, o trabalho de direção nos traz uma figura verdadeiramente abalada no lugar de Joana. Milla Jovovich, como protagonista, encarna a imagem da loucura com precisão cirúrgica – uma garota explosiva, praticamente bipolar e com traços marcantes de esquizofrenia. Novamente reitero que não é possível afirmar com certeza se a mente da jovem gera as visões ou se elas provocam tais surtos, que beiram a psicose. Esta incerteza é onde se encontra a grande beleza da obra e Besson sabe disso, inserindo essas situações emblemáticas em pontos chave da trama, assumindo uma maior presença conforme passamos pelas campanhas lideradas pela heroína – que, como diversas vezes é mostrado, também exercem uma notável pressão sobre a psique da protagonista.

O filme, porém, utiliza mais que apenas seu texto e direção para bem ilustrar a fragilidade da mente de Joana. Através da montagem de Sylvie Landra, a narrativa apresenta inúmeras elipses que muito bem ilustram o caráter onírico da vida de Joana, como constantes perdas de memória que a transportam de um lugar para outro totalmente diferente. Fazendo bom uso de tal recurso, o longa-metragem ganha uma evidente fluidez, não se estendendo em sequências demasiado longas e desnecessárias. A exceção se apresenta somente nos minutos finais da obra, que poderiam ter sido encurtados. Felizmente, esse deslize não gera grandes repercussões no produto como um todo, sendo facilmente perdoado pelo espectador que não tem sua imersão quebrada.

Outro evidente problema do longa é a forma como retrata alguns personagens, em especial o Rei Charles VII (John Malkovich) da França, com personalidades excessivamente caricaturadas que diminuem o impacto de alguma reviravoltas ao longo da narrativa. Em outras palavras, em certos pontos identificamos a velha previsibilidade fazendo presença e atuando para diminuir a tensão das audiências.

Besson, porém, retoma seu domínio com a já mencionada fluidez da trama, sabendo utilizar os fatos históricos a seu favor. Por mais que saibamos o destino final de Joana é praticamente impossível não deixarmos de torcer por um resultado diferenciado e até os segundos finais nos resta uma constante dúvida se a História irá se concretizar ou não. Apoiando essa marcante angústia próxima ao desfecho, o personagem de Dustin Hoffman traz à tona todo o questionamento das crenças da personagem, colocando em primeiríssimo plano o embate entre a loucura e a fé que tão bem acompanham o ritmo da projeção – seja nos momentos mais intimistas, seja nos sangrentos campos de batalha.

Solidificando essa evidente dualidade da obra, a fotografia de Thierry Arbogast mais uma vez, como vimos nas demais obras do diretor, se demonstra essencial, conseguindo captar toda a angústia da personagem mesmo no meio de centenas de soldados. Neste ponto devo destacar uma emblemática sequência que coloca a heroína praticamente sendo carregada no meio de um ataque ao portão de uma fortaleza – Thierry consegue nos passar perfeitamente o quão perdida está a personagem naquele meio, utilizando-a para representar nosso choque perante toda aquela violência medieval. Violência, esta, que garante uma realidade, crueza, diante de toda a situação onírica da protagonista.

Esse aspecto, sem dúvidas, é apoiado pelo fantástico trabalho de produção, que, através das armaduras e cenários, tão bem nos transportam para o fim da idade Média.

Ao término da projeção nos é deixado claro que, mais que uma retratação histórica, essa é uma visão íntima da mente dessa guerreira. Bruxa ou santa? Mensageira de Deus ou louca? Essas são perguntas que permanecem conosco mesmo quando os créditos começam a rolar. Ainda assim, independente da resposta que decidamos aceitar, não temos como não deixar de sentir uma distinta admiração por Joana, que manteve sua determinação até o fim. Luc Besson mais uma vez nos traz uma forte personagem e um inesquecível retrato dessa figura histórica.

Joana d’Arc (Joan of Arc – França, 1999)
Direção:
Luc Besson
Roteiro:
Luc Besson, Andrew Birkin
Elenco:
Milla Jovovich, John Malkovich, Rab Affleck, Vincent Cassel, Faye Dunaway, Dustin Hoffman, Tchéky Karyo, Desmond Harrington, Pascal Greggory
Duração:
148 min.

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