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Crítica | Jogo Perverso

por Guilherme Coral
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estrelas 3

Em seus dois primeiros filmes, Kathryn Bigelow nos trouxe histórias sobre jovens marginalizados, focando, majoritariamente, em figuras masculinas. Não demorou muito, porém, para que a diretora colocasse a mulher como centro de sua narrativa, já que em Jogo Perverso, seu terceiro longa-metragem na direção, vimos uma história sobre relacionamentos abusivos, disfarçado de drama policial. Ora metaforicamente, ora de forma explícita, a realizadora nos traz um retrato perturbador dessa problemática questão, que aflige milhares de pessoas, independente de status ou localização.

A narrativa é centrada em Megan Turner (Jamie Lee Curtis), jovem policial que acabara de graduar-se na academia em Nova York. Logo no seu primeiro dia nas ruas, ela se depara com um assalto a um mercado e, deixada sem opção, acaba matando o assaltante armado. Sem que qualquer um ali percebesse, uma das testemunhas no local acaba roubando o revólver do criminoso e não demora muito para se sentir tentado a usar tal arma. Tomado por pensamentos psicóticos, esse homem se aproxima de Turner, iniciando um perverso jogo de gato e rato, com a credibilidade da policial sendo colocada em xeque.

Logo cedo o roteiro de Kathryn Bigelow e Eric Red demonstra que sua intenção não é focar na investigação, visto que pontuais trechos nos mostram o lado de Eugene Hunt (Ron Silver), o psicopata com o revólver. Dessa forma, o texto assume uma veia mais psicológica, lidando não somente com a mente doentia do assassino, como com os impactos causados por suas ações na protagonista. Cria-se um paralelo bastante claro entre esse homem e o pai da policial, que bate na própria esposa, algo praticamente explicitado em determinado diálogo, no qual a personagem central fala que entrou para a polícia por causa de Hunt, claramente se referindo à sua atitude, que nada mais é que um desdobramento ainda mais assustador da relação entre seus pais.

Bigelow utiliza tal aspecto para construir seu filme na base da incerteza, a tal ponto que nunca sabemos quando, de fato, Turner irá se livrar desse psicopata, que passa a afetar todos os aspectos de sua vida de formas catastróficas, tendo, primeiro, se apresentado como um bom homem – visão essa que, claro, foi se alterando com o tempo, similarmente aos relacionamentos abusivos já falados anteriormente. A tensão crescente da narrativa, portanto, é proveniente da possibilidade de Hunt aparecer em qualquer momento, nunca deixando claro o que exatamente ele irá fazer, ou sequer quais as suas intenções em relação à protagonista.

Essa gradual claustrofobia criada pela diretora, porém, é jogada para o alto no ato final da obra, que funciona como uma grande repetição de si mesmo, simplesmente trazendo os mesmos acontecimentos de novo e de novo, de maneira exaustiva e até risível. Fica bastante claro que a intenção de Bigelow era demonstrar a dificuldade em se desvencilhar desse tipo de relação, metaforicamente, mas ela o faz em detrimento de nossa imersão, que desaparece quando entramos na interminável perseguição de Turner a Hunt, que facilmente poderia ser reduzida em alguns bons minutos e que apenas é sustentada pelo ótimo trabalho de Jamie Lee Curtis, cujo abalo emocional transparece em suas expressões faciais e olhar.

A força da atuação da atriz é tamanha que quase nos faz esquecer de outros deslizes do roteiro, como as consecutivas tentativas da protagonista em agir como vigilante, dispensando ajuda de seus companheiros policiais a fim de perseguir o suspeito por si só – questão que, na maioria das vezes, aparece de forma injustificada, fazendo-nos duvidar da inteligência da protagonista. No início podemos atribuir esse comportamento ao seu estado desacreditado no departamento, mas, quando ela passa a ter apoio dos outros, não há como não perceber a tentativa do roteiro em criar uma heroína às custas da verosimilhança, transformando, pois, um filme bem construído em um típico longa de ação dos anos 1990 – sim, a obra é de 1989, mas as semelhanças no ato final são bastante claras.

Esses deslizes, contudo, não são capazes de nos afastar de nossa percepção positiva da obra como um todo. Ao lidar com questões como relacionamentos abusivos, Kathryn Bigelow garante a profundidade desse seu longa-metragem policial, utilizando a trama detetivesca para contemplar questões extremamente pertinentes à nossa sociedade. Desde já, a diretora demonstra seu potencial ao lidar com protagonistas femininas, fugindo da temática de marginalização apresentada em seus dois primeiros filmes.

Jogo Perverso (Blue Steel) — EUA, 1989
Direção:
 Kathryn Bigelow
Roteiro: Kathryn Bigelow, Eric Red
Elenco: Jamie Lee Curtis, Ron Silver, Clancy Brown, Elizabeth Peña, Louise Fletcher,  Philip Bosco, Kevin Dunn, Richard Jenkins, Markus Flanagan
Duração: 102 min.

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