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Crítica | Jogos de Guerra (1983)

por Leonardo Campos
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Situado numa era prévia ao processo de popularização dos computadores pessoais, Jogos de Guerra é uma aventura juvenil bem característica do seu tempo, isto é, os anos finais do que se convencionou a chamar nos registros históricos de Guerra Fria, período que se estendeu dos meados do século XX ao marcante momento da queda do Muro de Berlim, acontecimento que simboliza o desfecho deste período de tensões de ambos os lados do planeta. Sob a direção de John Badham, cineasta guiado pelo roteiro de Lawrence Lasker e Walter F. Parkes, o filme apresenta a trajetória de David Lightman (Matthew Broderick), jovem estudante que se conecta acidentalmente com o sistema de Defesa dos Estados Unidos e provoca um alerta acerca da possibilidade de conflito global entre os estadunidenses e russos.

Lightman é mais um desses personagens cinematográficos desajustados, destratados pelo sistema tradicional de ensino. Ele odeia o componente curricular comum e desenvolve as suas atividades sempre por meio de raciocínio lógico, algo não respeitado pela escola que pede notas e perfis dentro de comportamentos estanques, algo bastante explicito nas breves, mas elucidativas cenas dentro da sala de aula, com o professor a trabalhar memorização de conceitos. Por isso, seu comportamento chega a ser sociável se comparado aos demais nerds do cinema, mas ele ainda assim é voltado a ficar em seu quarto ou jogando em fliperamas. São os seus grandes interesses, para o desagrado dos pais que desejam notas altas e desempenho acadêmico dentro das regras sociais.

Sem esperar, Lightman se depara com Joshua, sistema operacional de Stephen Falken (John Wood), máquina que fala o que está programado e numa curva irônica da inteligência artificial, ignora os comandos em age em prol de questões que deixam a Defesa dos Estados Unidos em pânico. Assim, o jovem tratado como rebelde e promulgador do caos social é a pessoa chamada para resolver a crise do sistema, indo do arquétipo de antagonista do governo ao posto de herói. Outro ponto diferente dos hackers do cinema é o seu interesse amoroso por Jennifer Mack (Ally Sheedy), garota que o faz mudar as notas no sistema e responder sentimentalmente, algo pouco comum diante dos estereótipos abordados para este arquétipo que a indústria iria abordar com frequência algumas décadas depois.

A sua entrada acidental no sistema militar do país se dá enquanto o setor passa por seu processo de ajustes, ainda em formulação de técnicas básicas. É uma era em que o conceito de hacker ainda não havia se estabelecido com maior extensão, sendo a figura o responsável por encontrar falhas em sistemas computacionais e resolvê-las por meio de suas técnicas de especialista. O interesse maior de Lightman não é burlar regras mais comuns, como as boas notas da escola, algo que apesar de revolucionário, também é antiético e questionável. O foco do rapaz é ter acesso aos jogos que tanto o move diariamente, o faz pensar, ser assertivo na vida. É uma obsessão que funciona por um viés positivo, pois estimula a sua inteligência e o motiva, mas também o distancia de outras experiências importantes para uma vida saudável em sociedade. A sua revolta contra o establishment nos instiga, mas ao mesmo tempo levanta questionamentos importantes sobre até que ponto temos o direito de adentrar sem permissão em determinados espaços. Sei que é uma fala tradicional e controladora, mas é preciso refletir em todas as instancias quando o assunto é burlar algumas leis em prol do beneficio banal próprio.

Para nos contar a história, o cineasta John Bandham orquestrou uma equipe competente em suas atribuições. Na direção de fotografia, William A. Fraker ofertou planos abertos para as cenas externas e movimentação mínima em circuitos fechados, numa exposição estética dos momentos de liberdade e de tensão da narrativa, além de investir na iluminação que emula traços da linguagem do campo da cibercultura, cheia de luzes em tons esverdeados e azulados para os espaços laboratoriais e relativamente estourados para as cenas em âmbito doméstico. Econômico em seus efeitos visuais, a produção também contou com o design de produção de Angelo P. Graham para um dos primeiros filmes a apresentar computadores numa dinâmica da sociedade civil, longe das naves espaciais e temáticas futuristas da ficção científica.

Ademais, Jogos de Guerra pode parecer juvenil e ligeiro na superfície, mas retrata com eficiência uma reflexão consistente sobre a inutilidade da guerra para qualquer nação envolvida em conflitos. Os americanos, ao longo de sua breve história, quando comparado aos demais países europeus, demonstraram em diversas ocasiões não terem aprendido nada com a “baixa” humana na Guerra do Vietnã, conflito que representa a maior surra por parte dos vietnamitas, uma perda de tempo, de dinheiro e, além de tudo isso, dignidade. Produzido entre os Estados Unidos e a Austrália, a narrativa é uma trajetória de 114 minutos que agrada enquanto entretenimento e promove discussões políticas bem relevantes, numa prévia do que seria a relação dos seres humanos com as tecnologias do campo da cibercultura.

Jogos de Guerra (WarGames) – EUA, 1983
Direção:
 John Badham
Roteiro: Lawrence Lasker, Walter F. Parkes
Elenco: Matthew Broderick, Dabney Coleman, John Wood, Ally Sheedy, Barry Corbin, Juanin Clay, Dennis Lipscomb, Joe Dorsey, Michael Ensign, William Bogert, Susan Davis, Irving Metzman, John Spencer, Michael Madsen, Alan Blumenfeld, Maury Chaykin, Eddie Deezen, Stack Pierce, Stephen Lee, Jesse Goins, James Ackerman, James Tolkan
Duração: 114 min.

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