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Crítica | John Carpenter: O Medo é Só o Começo, de Mario Abbade e Leonardo Ferreira

Uma digna coletânea que ressalta o legado e o impacto cultural de John Carpenter.

por Leonardo Campos
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Organizado pela Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, tendo como base a mostra sobre John Carpenter, realizada no Festival do Rio, na época, O Medo é Só o Começo é uma excelente porta de entrada para o universo cinematográfico do cineasta estadunidense conhecido por aplicar recursos peculiares no desenvolvimento de suas narrativas, desde Halloween: A Noite do Terror, de 1978, roteirizado em parceria com Debra Hill, filme que apresentou Michael Myers ao mundo e permitiu o fortalecimento do slasher enquanto subgênero profícuo, aos clássicos A Bruma Assassina, Fuga de Nova Iorque, Fuga de Los Angeles, O Enigma do Outro Mundo, A Cidade dos Amaldiçoados, Vampiros, dentre tantos outros marcos do cinema moderno. Com prefácio assinado por Ilda Santiago, diretora do festival em questão, o texto de abertura versa sobre as paixões do cineasta, impregnadas em suas produções ao longo de uma carreira que sempre buscou mobilizar-se para a criação de um universo próprio, como mencionado, peculiar.

Em sua maioria, as reflexões deste livro buscam alcançar o lado assertivo de todos os filmes de John Carpenter, sem destacar os seus possíveis problemas dramáticos e estéticos, numa linha de textos curtos, objetivos, com exceção do pernóstico percurso de Ruy Gardnier, ao flertar com uma das narrativas do diretor e ficar dando volta em termos rebuscados e interpretação cifrada, material que se distancia de todo o conjunto que possui caráter pedagógico ao analisar as tramas e fornecer pontos de visão sobre a eficiência do realizador criticado, uma figura importante da cultura moderna que tem no cinema clássico, em especial, na admiração pela cinematografia de Howard Hawks, uma característica marcante. Na apresentação, acompanhamos um prefácio de Mario Abbade, presidente da associação que ajustou os pormenores da mostra e organizou a publicação, um texto que expõe o quanto John Carpenter é um cineasta visionário, mestre do Scope e articulador de críticas sociais contundente, conhecido também por utilizar assertivamente cada milímetro do quadro que compõe a direção de fotografia de suas narrativas.

Elogiosas, as reflexões da coletânea apresentam uma breve biografia do diretor, antes de se deter aos pontos específicos de cada um de seus filmes. Apaixonado por Elvis Presley, basquete e clássicos do quilate de Cidadão Kane, Onde Começa o Inferno e Um Corpo Que Cai, John Carpenter ganhou, neste livro, uma homenagem que também contou com a colaboração de Leonardo Luiz Ferreira, parte integrante da equipe de organizadores. Dark Star, de 1974, abertura da fortuna crítica do cineasta, é comparado ao clássico de Kubrick, 2001: Uma Odisseia no Espaço, alinhamento pertinente, salvaguardadas as devidas proporções de cada narrativa, obviamente. Vários elementos siderais, trabalhados no filme por Dan O’Bannon, ganharam desdobramentos conceituais em Alien, O Oitavo Passageiro, anos depois. A sua refilmagem de Onde Começa o Inferno, de Hawks, intitulada Assalto a 13ª DP, em 1976, reforçou talento de Carpenter em reler a estrutura alheia, mas trazer novas significações. A delegacia, neste filme, é sabiamente tratada como parte orgânica dos personagens, tamanha a sua relevância.

O medo e a insegurança que varriam os Estados Unidos na década de 1970 foram temas de Halloween: A Noite do Terror, o precursor do slasher, uma narrativa curta, mas apontada como algo de desenvolvimento excepcional. Ofuscado pela trama com Laurie Strode e Michael Myers, no mesmo ano, Alguém Me Vigia trazia discussões e abordagens similares, mas com a pompa do slasher em questão, o suspense televisivo sobre outra mulher perseguida por uma figura misteriosa perdeu um pouco de espaço e visibilidade. No ano seguinte, com a cinebiografia Elvis, o cineasta retratou outra de suas paixões, desta vez, no terreno da música, com Kurt Russell no papel do astro do rock que se tornou mito da cultura pop, uma parceria que se desdobraria em outros tantos filmes posteriormente. Mais adiante, A Bruma Assassina trouxe Jamie Lee Curtis em outra inserção numa história de John Carpenter, desta vez, sobre os desafios de uma comunidade pesqueira diante do clima de tensão e medo em seu aniversário de fundação, momento em que a cidade onde a história se desenvolve recebe visitas vingativas nada amenas.

Apontado como western punk futurista, Fuga de Nova Iorque ganha uma análise de destaque, numa história que segundo o texto, bebe na fonte das angústias do Vietnã. O desespero existencial, por sua vez, é tema de O Enigma do Outro Mundo, releitura do clássico O Monstro do Ártico, resgata memorialístico dos interesses cinematográficos de Carpenter, num filme de 1982 sobre doze homens isolados numa estação de pesquisa na Antártida, acossados por uma misteriosa ameaça. Em sua entrada no terreno das traduções intersemióticas, o diretor concebeu Christine: O Carro Assassino, baseado no texto literário de Stephen King, escritor que não gostou da versão para os cinemas de sua narrativa, da mesma maneira que aconteceu com O Iluminado, de Stanley Kubrick, hoje uma obra-prima do cinema. Para Carpenter, as coisas não deram muito certo com Os Aventureiros do Bairro Proibido, a divertida história do caminhoneiro que precisa resgatar a noiva de seu melhor amigo em Chinatown, tendo que lidar com um mago de 2 mil anos. Conforme relatos, o sistema de estúdios e a presença dos produtores foram alguns dos problemas que atrapalharam o processo criativo da trama que fracassou nas bilheterias.

Mistério e busca por sobrevivência demarcam a chegada de uma entidade demoníaca em O Príncipe das Sombras, antecipação de Eles Vivem, um dos melhores filmes do diretor, produção que retrata um trabalhador que encontra óculos escuros que lhe permitem enxergar alienígenas em busca de dominação terrestre, um tema base da ficção científica, numa história que tece críticas ao esquema político e midiático da época de seu lançamento, em 1988. Memórias de Um Homem Invisível foi outra iniciativa do diretor, vinculado com os grandes sistemas de estúdios, produção que lhe trouxe muita dor de cabeça e resultados narrativos questionáveis diante de tanta intromissão no processo criativo. É o único filme do livro que foi delineado por meio de uma divertida crônica, assinada pelo humorista Fernando Ceylão. Há também considerações sobre o envolvimento de Carpenter em Trilogia do Terror, na refilmagem A Cidade dos Amaldiçoados, versão anos 1990 para Aldeia dos Amaldiçoados, dos anos 1950, além de reflexões sobre a trilha de pistas perigosas, disposta no complexo À Beira da Loucura, de 1995.

Ademais, O Medo é Só o Começo, publicação com projeto editorial de Guilherme Lopes Moura, pela editora Bookmakers, contempla o retorno praticamente paródico de Fuga de Los Angeles, narrativa com toques de humor, ausente numa trama de John Carpenter desde Os Aventureiros do Bairro Proibido, lançado na década anterior. Nesta segunda empreitada, a cidade título se encontra punida pelos pecados, impactada por um terremoto que divide o território e cria zonas para onde são enviados os criminosos da região. Fantasmas de Marte e Vampiros, incursões do na confortável zona do terror, comum para o cineasta, ecoam questões do western, tramas que participam do encerramento da fortuna crítica do livro, juntamente com os telefilmes e demais incursões adicionais do realizador que ainda ganha um breve panorama de reflexões complementares, com a entrevista assinada por Rodrigo Fonseca e Mario Abbade, um papo sobre uso de CGI no cinema contemporâneo, bem como as paixões do diretor e o olhar teórico para Halloween: A Noite do Terror. Antes de encerrar, esta agradável e fluída publicação conta com pequenas análises da presença do legado de John Carpenter nos games e nas refilmagens atuais de suas narrativas mais clássicas, em especial, as produções dos anos 1970 e 1980.

John Carpenter: O Medo é Só o Começo (Brasil, 2012)
Autor: Mario Abbade, Leonardo Ferreira
Editora: Bookmakers
Páginas: 96

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