Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Jonathan Steele – Vol.1: A Ilha Misteriosa

Crítica | Jonathan Steele – Vol.1: A Ilha Misteriosa

Mitologia e porradaria.

por Luiz Santiago
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A criação da série Jonathan Steele, da Sergio Bonelli Editore, veio na esteira de uma preparação anterior do roteirista Federico Memola para um outro projeto, que não chegou a existir, chamado Myriam & Steele. Há também uma ligação com uma minissérie (ou arco) do autor chamada La Stirpe di Elän, publicada em números específicos do spin-off de Martin Mystère chamado Zona X. O protagonista vive numa Terra que desde o ano de 2011 foi modificada da noite para o dia: um evento inexplicável alterou (ou despertou) algo em nossa espécie. Homens e mulheres não apenas tiveram a sua forma física modificada, mas também adquiriram poderes mágicos.

A trama do primeiro número se desenrola como uma apresentação que achei muitíssimo criativa em relação à temporalidade dos acontecimentos. Há uma abordagem metalinguística aqui, jogando com o desconhecimento do leitor e apresentando as muitas possibilidades do “começo de tudo“, o que é uma verdade para qualquer tipo de enredo, se a gente for pensar criteriosamente. Podemos considerar diferentes começos se a gente tem a visão do quadro todo: cada começo será um ponto de vista de um grupo de personagens, e cada ponto de vista tem suas particularidade e interesses a defender, logo, vemos encaminhamentos diferentes para um mesmo fato.

É impossível ler essa história e não fazer relações imediatas com as Amazonas e a mitologia da Mulher-Maravilha, ou seja, o isolamento das mulheres em uma determinada ilha (Gavdos, no caso) e o afastamento em relação aos homens. Aqui, estamos falando de uma espécie diferente, das Nereidas ou ninfas marinhas, e Jonathan Steele, que é um investigador com alguns ingredientes anti-heroicos e fortemente ancorado em protagonistas de histórias de ação e aventura, é o indivíduo perfeito para se colocar nesse ambiente, principalmente quando um eco do passado surge para a ameaçar as mulheres. O autor sabe muito bem brincar com o mistério que envolve os vários núcleos de personagens: o Panteão grego (Selene e o líder do Olimpo — seria Zeus, nesse Universo?), o Instituto de Pesquisa Marinha das misteriosas mulheres e, claro, tudo relacionado a Steele: a agência para a qual ele trabalha, a pessoa para quem ele responde e a sua própria história de vida.

Por mais interessante que seja, todavia, esse lado mitológico acaba sendo a parte mais fraca do volume. É muito parecido com o que senti em Napoleone: O Olho de Vidro, com seu lado místico que chama muito a atenção, mas que, pela falta de conexão orgânica com a história secular, dá a impressão de que é um corpo estranho no meio da saga toda. Em A Ilha Misteriosa, Memola ainda consegue um resultado melhor na integração, pois Selene aparece mais de uma vez na narrativa e a presença do Panteão está amarrada à aventura, pela interferência dessa deusa da Lua, que aparentemente continuará a aparecer para o protagonista.

A luta contra o descendente dos homens do navio Barracuda e a história pela recuperação desse ouro antigo é o motor para que a trama aconteça, e ele é muito bom. Algumas missões desse tipo costumam a ser apenas clichês, sem um bom uso desses ingredientes mais conhecidos para melhorar a narrativa. Neste enredo, o autor faz um bom trabalho em desenvolver a intriga e um trabalho aceitável em finalizá-la, sendo muito bem bem acompanhado pelos desenhos de Gino Vercelli, com cenas de ação pensadas em uma continuidade que gera tensão e mantém a lógica da sequência, sem pulos espaciais desnecessários. É uma história com uma mensagem ambiental embutida, mas sem a chatice didática que normalmente encontramos nesse tipo de enredo (a causa, obviamente, é urgente; precisa ser discutida e pode sim ser inserida de maneira inteligente na ficção, como é o caso), além de pintar uma face de “lutador misterioso e solitário” para o protagonista. Pode ser clichê em muitos aspectos, mas é daqueles clichês que, ao menos na maioria de seus componentes, sabe ser utilizado inteligentemente e a favor da história, não apenas como muleta fácil para o autor fechar as janelas que abriu.

Jonathan Steele #1: A Ilha Misteriosa (L’isola misteriosa) — Itália, abril de 1999
Roteiro: Federico Memola
Arte: Gino Vercelli
Capa: Giancarlo Olivares
100 páginas

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