Há quem diga que o novo longa dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne apressa-se em significar um saudar retorno à boa forma dos diretores – fato possível que já enxergo com estranheza. Proponho, ao contrário do que vejo da maioria da crítica sobre o filme, a necessidade de um olhar mais rigoroso sobre o que se afigura menos como um renascimento e mais como uma reiteração cansada de uma fórmula completamente cansada. Longe de ostentar a sensibilidade admirável, o filme, cuja direção e roteiro são assinados pelos próprios Dardenne, revela um esgotamento estilístico e uma autocomplacência que transformaram a outrora revolucionária estética da urgência em um formalismo vago, previsível e estéril. O proposto, e reiterado a todo momento, compromisso com personagens à margem da sociedade não ultrapassa a fronteira de uma zona de conforto temática, na qual a tragédia social é encaixada em moldes narrativos tão familiares que dilui o impacto emocional que caracterizava a pureza de obras anteriores. O cinema, quando cessa de se questionar, torna-se sua própria sombra. É o que mais disserto sobre o cinema contemporâneo: tem-se sobreposto o tema sobre a forma. Isso é, no mínimo, um homicídio artístico.
A premissa central de focar em adolescentes grávidas, abrigadas em uma instituição de suporte, possui, em princípio, uma densidade dramática inegável. Contudo, a execução promovida pelo roteiro dos Dardenne não honra nem parcialmente esse potencial. A abordagem adotada é catalogadora, beirando a superficialidade. É o tema pelo tema. Confia-se demais na sensibilidade do espectador e pouco no próprio filme. As jovens não são tratadas como indivíduos complexos, mas sim como meros veículos de disfunção social. Em vez de personagens tridimensionais, o espectador se depara com um inventário de traumas, onde a diversidade de trajetórias – a vítima de violência, a ex-dependente química – se converte em uma coletânea de clichês de carência. Talvez o problema se constitui em entregar tamanho potencial dramático e narrativo nas mãos de dois homens. Há quem critique o lugar de fala, mas se há algo que Jovens Mães prova é que há narrativas que podem ser assassinadas pela direção de mãos errôneas. E pior: essa estratégia desarticulada enfraquece a prometida essência profundamente humana, pois as protagonistas são reduzidas a estatísticas ambulantes de vulnerabilidade socioeconômica, e não a seres em conflito genuíno.
A artificialidade desta construção dramática atinge seu zênite em momentos de caracterização claramente forçada. A cena em que uma das jovens enuncia, como a aspiração máxima de sua vida, o desejo de ser inspetora ferroviária, serve apenas como um símbolo óbvio e didático de aspirações limitadas. Trata-se de uma manipulação da empatia, em vez de uma conquista orgânica do sentimento do espectador, uma prova de que a sutileza cedeu lugar à declaração. Jovens Mães finge, com maestria, ser um filme empático.
Ademais, a imaturidade das jovens, que uma crítica superficial celebraria, é explorada por intermédio de um prisma simplista. A incapacidade de distinguir entre as necessidades da mãe e do bebê é exposta de maneira tão literal e didática que destrói qualquer vestígio da nuance que se espera dos diretores, transformando um dilema psicológico em uma declaração explícita sobre a tragédia do fim precoce da infância. Este diálogo soa, inevitavelmente, como uma tese encenada, mais empenhada em sublinhar uma moral social sobre a gravidez adolescente do que em permitir que a complexidade do luto pela juventude perdida se manifeste sem a intervenção pesada do didatismo.
A câmera, insistentemente colada aos rostos, não estabelece uma conexão emocional direta; ela, antes, impõe uma intimidade forçada, buscando, em uma manobra desesperada, capturar uma hesitação, um medo ou uma alegria que o roteiro dos Dardenne não conseguiu edificar por mérito próprio. Essa estratégia, que já foi um diferencial marcante do cinema dardenniano, agora se apresenta como um truque desgastado, utilizado para extrair emoção onde o drama genuíno está ausente. O público sente a pressão para se emocionar, e não a inevitabilidade da compaixão que advém da identificação legítima com o sofrimento humano.
Finalmente, a tentativa do filme de se abster de julgamentos morais sobre as escolhas de adoção ou criação não culmina em uma maturidade narrativa, mas sim em uma neutralidade cômoda e pouco desafiadora. Ao apresentar dilemas de vida ou morte — como o medo da jovem de reproduzir o ciclo de abandono da mãe biológica — sem aprofundar a cicatriz e o peso da decisão além de uma motivação superficial, o filme se contenta em ser um panorama passivo da situação. Os momentos de suposta autenticidade não planejada, a exemplo do sorriso do bebê na cena final, são, no contexto de uma obra que almeja o realismo cru, meras manipulações melodramáticas ou coincidências que evidenciam a fragilidade da estrutura dramática. Quando um filme precisa de um acidente feliz na tela para alcançar o maior impacto dramático, é o sinal mais eloquente de que a destreza dos cineastas não foi suficiente para sustentar a narrativa. Jovens Mães é como um eco extenso – e Walter Benjamin já nos disse que ecos emudecidos pouco ouvimos –, não um grito visceral; é um filme que repete o tema sem, contudo, reter a alma formal de seus precursores.
Jovens Mães (Jeunes Mères) — Bélgica, França, 2025
Direção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Elenco: Babette Verbeek, Elsa Houben, Janaina Halloy Fokan, Lucie Laruelle, Samia Hilmi, Jef Jacobs, Gunter Duret
Duração: 105 min.
