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Crítica | Jubiabá, de Jorge Amado

A saga de Antônio Balduíno, da malandragem ao processo de tomada de consciência política.

por Leonardo Campos
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Um romance sobre muitos temas, dentre eles, o vertiginoso potencial destrutivo da discriminação racial, cultura e econômica das pessoas pobres, o outro lado de uma sociedade dividida. Eis um dos pontos nevrálgicos de Jubiabá, a quarta publicação de Jorge Amado, lançada em 1934. Nesta história de exclusão, com primeiros rascunhos desenvolvidos em 1934, enquanto o escritor se encontrava em Conceição de Feira, formatando as ideias para a trama que faz uma assertiva representação dos elementos populares e esplendorosos da Bahia. Apagamento de sujeitos, exclusão social, perpetuação de desigualdades e submissão ao culto do colonizador branco, indivíduos que se dedicam ao trabalho dito intelectual, de terno e gravata, contraponto dos negros que suam, fazendo trabalhos braçais e enfrentando as adversidades de um cotidiano humilhante. Tão importante quanto os personagens humanos, razoavelmente desenvolvidos psicologicamente, a capital baiana e sua topografia são delineadas com vigor, num passeio geográfico do leitor a cada descrição das andanças do protagonista desta empreitada literária.

Numa época de polêmicas discussões sobre raça, Jubiabá traçou o itinerário de Balduíno, o herói desta narrativa relativamente volumosa, da miséria ao processo de tomada de consciência que o tornou uma figura libertada das amarras deterministas que definiam os rumos de sua vida. Na época, os debates empreendidos por Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala estavam em voga, numa constante reflexão sobre o lugar da população negra na sociedade, ainda em posição sufocamento diante da realidade angustiantemente apreensiva. Em suas páginas, o romance os interesses partidários de Jorge Amado e casos popularescos que transformaram a publicação numa história de grande identificação do público. O Jubiabá do título é o personagem simbólico que direciona Baldo, apelido do protagonista, em sua jornada de vida, figuras ficcionais integrantes deste universo sinestésico, de cores, cheios e sabores baianos em detalhismo.

Este negro é construído com elementos da malandragem, a circular pelas ruas da cidade, se desgarra por momentos consideráveis de sua ancestralidade, movimento que é retomado mais adiante, com sua evolução dentro da história cheia de aventuras, dentre elas, os roubos cometidos para garantir a sobrevivência, a paixão por Lindinalva, as suas experiências como boxeador, sambista, estivador, artista de circo, líder de uma greve portuária, dentre outros. Em sua trajetória, se encontram presentes a luta de classes, as denúncias de questões pontuais da década em questão, a era do romance de 30, numa saga que traça um humorado painel das mudanças na esfera social não apenas na Bahia, mas no projeto moderno do Brasil.

Podemos dividir a experiência de leitura de Jubiabá em três partes, dispersas em capítulos distintos. Primeiro, conhecemos a sua juventude. Acompanhamos as suas aspirações, sentimentos, formação e demais aspectos que ajudam a definir sua jornada na segunda parte, o momento errante onde o personagem, convergido para a região do Recôncavo Baiano, envolvido em experiências questionáveis que serão a antecipação do desfecho de sua jornada conscientizada, devidamente aliado aos propósitos do proletariado, tema que mexe com as suas perspectivas de vida. De todos os capítulos, o trecho de maior destaque político partidário é a passagem sobre o estabelecimento de uma greve, vivenciada fervorosamente por um determinado grupo de figuras ficcionais do livro.

Dentre alguns dos momentos mais marcantes, temos a luta de Balduíno com o personagem alemão, passagem alegórica para os debates sobre conflitos raciais na sociedade, além da construção estereotipada dos desejos do protagonista pela branca Lindinalva, uma paixão condenada pelo código de conduta vigente, algo visto como errôneo nas dinâmicas relacionais do cotidiano. Na época de elaboração de Jubiabá, Jorge Amado participava efetivamente das discussões políticas do partido comunista, ideal que sedimentou as estruturas de muitas de suas histórias deste período. Em 1934, especificamente, ele esteve no primeiro Congresso Afro-Brasileiro e apresentou um trabalho sobre a sua pesquisa envolvendo cordel e elementos da cultura popular, material que depois seria transformado em muitos dos romances que conhecemos. Em linhas gerais, um romance cheio de questões e múltiplas interpretações.

Jubiabá (Brasil) — 1935
Autor: Jorge Amado
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 289

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