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Crítica | Judy: Muito Além do Arco-Íris

por Iann Jeliel
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Judy

Tem uma plateia inteira esperando para ver você cantar.

Pouco se sabe popularmente das origens da dura caminhada de Judy Garland no estrelato, do qual ela faz parte desde jovem por conta de relações conturbadas e pressões familiares sobre o seu talento. Protagonista de clássicos como O Mágico de Oz e a segunda versão de Nasce Uma Estrela em 1954, além de cantora queridinha da década de 30, existia um terreno de muito potencial informativo para explorar as diversas facetas do ícone. Em vez disso, o roteiro opta por uma abordagem mais específica, últimos meses da vida de Judy, que na teoria, exploraria as consequências dos abusos e escolhas tomadas no início de carreira e os problemas psicológicos gerados na vida adulta. O grande problema é que essa ideia inicial parece diluída em breves rotinas enfadonhas, que pouco, ou quase nada, contribuem para a elaboração de um estudo personificado da biografada.

Tematicamente, é um filme indeciso sobre que vertente seguir, e acaba não dizendo nada em cada uma que toca, uma vez que o texto não tem habilidade de atribuir dentro do recorte as pequenas características que moldam a pessoa. Além do roteiro perdido em não proporcionar um foco dramático sólido, Renée Zellweger não equilibra bem os polos da atuação, parecendo muito mais um cosplay do que uma pessoa de verdade. Raros são os momentos em que as angústias e os sentimentos por trás da cantora são expressos com verdade, em boa parte do tempo, o trabalho interpretativo é muito mais preocupado em repetir os trejeitos teatrais caricatos da celebridade, ao invés de explorar suas nuances mais íntimas. Mesmo que seja elogiável a dedicação física, naturalmente chamativa, é insuficiente para a compreensão daquela personalidade ou até mesmo para gerar empatia por ela. Logo, sua indicação ao Oscar beira o absurdo, e é compreensível somente pelo fato de todo ano precisar de um ator/atriz vencendo a premiação por uma biografia.

Sem essa conexão, fica difícil se importar com os comentários pertinentes sobre o consumo da artista pelo meio, até por eles ficarem em segundo plano, e quando discutidos, geralmente apelam para um melodrama vitimista típico de um telefilme da Globo, além de estereotipar exageradamente os corporativistas vilões que corromperam a infância de Judy. Se existe algo para dizer que é o primeiro plano do texto, é a maternidade, possivelmente o assunto onde ele mais acerta, até por esse fácil paralelo traçado com a infância constantemente retomada pelos flashbacks, mas é seguida uma cartilha segura, conservadora e clichê de biografias, evitando confrontos dramáticos mais diretos. Pode-se dizer que a exceção fica com a cena do telefonema, um dos poucos momentos do filme onde se pode perceber de verdade a dor que a personagem carrega em ter de perambular pelas noites em busca de uns trocados para sustentar os filhos.

Contudo, é essa própria estrutura quase episódica que faz com que o roteiro só pincele os outros problemas, como vícios em remédios e bebidas, a incapacidade de dormir ou cantar direito, dentre outras abordadas com aquele bom e velho desvio amenizador para proporcionar a típica reverência à figura. A maioria dessas cenas de homenagem não é efetiva, principalmente partindo do pressuposto do desconhecimento prévio da importância da cantora. No decorrer da narrativa, pessoas vão abordando Judy e a reverenciando de diferentes modos, inclusive existe uma subtrama que beira mais a uma barriga, de uma pequena noite onde Judy vai para a casa de dois fãs fazer comida. A intenção dela é até bonita, buscando na simplicidade estabelecer o tamanho daquela mulher à época, mas para a linearidade do texto, carece de um background que justifique o problema recorrente da escolha de recorte.

Esse caráter de homenagem na prática só funciona no clímax, período único em que o diretor Rupert Goold ousa como prometia e joga todas as cartas na mesa, vendendo-se com mais honestidade ao singelo sentimento de pedido de desculpas e articulando uma grandiosa encenação por trás do último ato musical antes do seu falecimento. Desculpas porque, no fim, Judy foi uma criação da própria Hollywood, não a respeito de seu talento inegável, mas a própria pessoa com aqueles problemas. Então, o retrato se sente obrigado a fornecer essa última salva de palmas no mesmo lugar em que ela foi vaiada, além de assumir a responsabilidade indireta pelo trágico e precoce fim do talento lapidado. A salada de diferentes identidades a serem estudadas pelo filme, nesse momento, consegue a unidade desejada pelo resto que, mesmo não sendo bem construído, comove pela cena em si e por dar um propósito à biografia. 

Infelizmente, não é suficiente para tirá-la do lugar comum, o caminho até lá a olhares leigos soa desinteressante, e para os não leigos é no mínimo incompleto, diante de uma persona com tantas possibilidades dramáticas. Completando o combo do pedido de desculpas, Renée pode ser finalmente glorificada, mesmo que por uma performance muito mais impactante do ponto de vista visual do que teatral, a atriz tal como Judy Garland também sofreu muito fisicamente com a indústria, e agora tem a chance de ser redimida por ela no maior bait possível deste Oscar. Fora pelo seu possível prêmio de Melhor Atriz (ou derrota, vai saber), a biografia Judy não será lembrada para além do arco-íris de filmes elogiados somente durante a temporada de Oscar, e com o tempo, cairá completamente no esquecimento ou na sombra daqueles que o biografam.

Judy: Muito Além do Arco-Íris (Judy, Reino Unido – 2019)
Direção: Rupert Goold
Roteiro: Tom Edge
Elenco: Renée Zellweger, Rufus Sewell, Finn Wittrock, Michael Gambon, Richard Cordery, Jessie Buckley, Bella Ramsey, John Dagleish, Gemma-Leah Devereux, Tim Ahern, Bentley Kalu
Duração: 118min.

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