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Crítica | Juiz Dredd: As Primeiras Histórias (2000 AD #2 a 8)

Quem pode, manda.

por Luiz Santiago
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A revista 2000 AD foi fundada em 1977 (sua primeira edição saiu em 26 de fevereiro), publicada inicialmente pela IPC Magazines. Uma conversa de John Sanders, o editor da casa, com o subeditor Kelvin Gosnell, que havia lido um artigo na London Evening Standard sobre a febre de obras de ficção científica nos cinemas, abriu as portas para a criação de uma antologia publicada semanalmente e que tivesse como foco quadrinhos sci-fi. A preparação para o lançamento aconteceu no ano de 1976, e se deu através do trabalho criativo e editorial de Pat Mills (que realmente foi editor da revista em suas primeiras 16 edições), contratado para desenvolver o projeto. A convite dele, John Wagner também entrou na jogada, e ambos encabeçaram os primeiros passos para a concepção da revista.

Cada edição da 2000 AD é apelidada de “prog”, e desde o primeiro número os leitores tiveram em suas páginas histórias diferentes de ficção científica pensadas para os mais distintos cenários. Até um “editor alienígena” (Tharg the Mighty) a publicação teve, uma piadinha interna que caiu nas graças dos leitores e seguiu adiante. Na segunda edição do título, um personagem muito especial — o mais famoso personagem criado naquelas páginas — fez a sua estreia. Criado por John Wagner (roteiro), Pat Mills (conceito/editoria) e Carlos Ezquerra (desenhos), o Juiz Dredd mora em uma mega cidade do futuro, no ano de 2099, e foi pensado como uma espécie de “policial e juiz de rua” que tem poderes para prender, acusar, sentenciar e executar sumariamente inúmeros criminosos que persegue.

Na primeira história do personagem (Judge Whitey) já temos uma boa indicação do modus operandi do sistema judiciário e das forças policiais do ano 2099, um casamento até bastante simples (dado o contexto) e que, ao longo das aventuras, mostra suas facetas fascistas, fazendo-nos pensar bastante sobre a sociedade que deu origem a esse sistema. Dredd entra timidamente em cena e, aos poucos, chama a atenção do leitor por ser excelente no cargo de juiz; por seus bordões e frases de efeito; por sua autoconfiança, estratégia e aparente prazer em usar de toda violência possível a fim de cumprir o seu dever. Nessas sete primeiras aparições, ele encarna abertamente os aspectos de Dirty Harry num sistema à la Margaret Thatcher que oficialmente serviram de inspiração para John Wagner fundamentar comportamentos e pensamentos do juiz. O modelo draconiano de justiça de Mega-City One acaba sendo pouco a pouco abordado com pequenas explicações de contexto, mas sem uma história de origem, por enquanto.

A primeira página da primeira edição de Juiz Dredd.

Em alguns momentos da leitura me deu a impressão de estar revisitando certas aventuras de Nathan Never, guardadas as devidas proporções. O mundo que se ergueu depois de uma série de tragédias que afetaram os Estados Unidos é tão violento, tão cheio de crimes e habitado por tanta gente, que a conclusão a que este povo chegou foi a de que a “justiça comum”, burocrática e lenta, jamais poderiam continuar existindo. E mesmo para quem não conhece nada de Dredd e porventura começou a ler o personagem aqui do início, já consegue entende tudo isso. O uso da força aqui é sinônimo de ordem social, de salvamento de vidas inocentes. Também fica claro o enorme poder que os juízes possuem, abrindo perguntas sobre eles que seriam respondidas em histórias posteriores. Perguntas sobre como conseguiram concentrar tanta liberdade de ação e poder de decisão em pouquíssimas mãos; e, principalmente, como conseguem manter esse poder. Porque uma coisa é certa: mesmo com tanta repressão, a sociedade continua com uma criminalidade altíssima.

Juiz Dredd é um tipo de história que satiriza e critica abertamente o fascismo com um humor ácido que é uma delícia de se acompanhar. Vale também destacar as suas páginas abarrotadas de coisas, numa organização visual caótica, mas fácil de compreender, sempre dando grandiosa importância para a moto do Juiz Dredd e para o próprio juiz em seu figurino chamativo, ações violentas e falas morais ditas aos bandidos (ou, de forma metalinguística e indireta, ao leitor). A ideia não é apenas divertir através da porradaria insana, mas fazer pensar em um futuro superpopuloso e cheio de destruição, onde a vida vale pouco ou quase nada. Nessas primeiras histórias temos uma visão desalentada desse mundo, com seus vícios, com suas condições ambientais bizarras, com seus destroços da guerra, com suas mutações (humanas e animais) e com seus inúmeros grupos de criminosos que se espalham pela grandiosa Mega-City One. Um futuro que a gente não quer, mas que entendemos não ser nada impossível de acontecer.

Judge Dredd (Reino Unido, 5 de março a 16 de abril de 1977)
Publicação original:
2000 AD
Contendo:
 Progs #2 a 8 — Judge Whitey / The New You / The Brotherhood of Darkness / Krong / Frankenstein II / The Statue of Judgement / Antique Car Heist
Criadores: John Wagner, Carlos Ezquerra, Pat Mills
Roteiro: Peter Harris, Mike McMahon, Pat Mills, Kelvin Gosnell, Malcolm Shaw, Charles Herring
Arte: Carlos Ezquerra, Mike McMahon, Massimo Belardinelli
Letras: S. Richardson, Tony Jacob
Capas: Barry Mitchell, Massimo Bellardinelli, Ramon Sola, Carlos Ezquerra, Mike Dorey, Boix
35 páginas

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