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Crítica | Furo de Reportagem ou Scoop (Júlia Kendall #21)

Forçando uma situação.

por Luiz Santiago
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Em todo o trajeto das histórias de Júlia Kendall, uma das coisas que foi progressivamente me enraivecendo e, de maneira muito macabra, também me cativando, foi a forma como os roteiristas da série conseguem transportar a banalidade do mal, da violência, do olhar sem nenhum significado humano que alguns indivíduos têm para com a vida dos outros. Aqui em Furo de Reportagem (cujo título original é Scoop) encontramos Shona Laszlo, uma atriz decadente, em apuros financeiros e procurando fazer de tudo para alavancar novamente a sua carreira. Por ser a vítima de assassinato desse caso, ela acaba ganhando maior destaque no quesito de “alguém na bancarrota“, vestindo uma máscara para a sociedade, mas vivendo uma realidade completamente oposta em particular. Todavia, o roteiro explora a temática da decadência em todos os lugares visitados pela equipe de investigação.

Eu já escrevi isso algumas vezes em diferentes críticas aqui no PC, mas sempre é bom repetir: acho muito interessante os enredos ambientados em um dia de muito calor, com as pessoas oprimidas pela alta temperatura: suando, sentindo-se mal, ficando irritadas por pouca coisa e tendo, ainda por cima, que lidar com problemas ainda maiores que o inferno atmosférico. Por odiar o calor, eu acabo me conectando bastante com os personagens nesse tipo de sofrimento, de modo que tramas assim me chamam a atenção bastante cedo em termos de ambientação. É o tipo de espaço do qual não é possível fugir, porque ele domina tudo ao seu redor (levantei uma bola parecida em relação a uma casa maldita, no texto de Martin Mystère: A Casa nos Confins do Mundo). Essa sensação de opressão em todo o entorno está muito clara nessa aventura de Júlia Kendall, sendo mais um elemento de decadência, pois todo mundo parece prostrado, triste, sem energia para seguir vivendo diante do terrível calor.

A atmosfera dramática, portanto, puxa da atmosfera geográfica a sua condição: todo mundo parece meio doente e lida forçosamente com pessoas mental e emocionalmente desequilibradas ou que possuem problemas que vão de uma ordem ético-moral até financeiras, familiares ou de relacionamentos amorosos. É o tipo de situação onde ninguém se safa; onde a maneira como as pequenas e as desagradáveis verdades se revelam e confirmam a miséria de cada um desses personagens. O decadente fotógrafo Alvin Bloom, por exemplo, é alguém que parece, desde o início, sofrer de uma melancolia mortal, reforçada por uma vida cheia de derrotas. Na verdade, o personagem é conduzido à extrema violência pelo seu psicológico destruído pelas condições em que vivia: sem perspectiva profissional duradoura, sempre sofrendo acidentes, perdendo material de trabalho, sendo motivo de chacota entre os coletas e levando “não” de praticamente todo mundo que abordava.

Quando o crime é desvendado vemos roteiro encontrar o seu ponto mais frágil, apesar de eu ter gostado muito do que Giancarlo Berardi, Giuseppe De Nardo e Maurizio Mantero trouxeram nessa conclusão. O ponto frágil a que me refiro é o fato de Júlia mais uma vez se colocar em risco, estar na frente de um criminoso e ter a confiança de que não será alvejada ou de que Webb, Irving e outros policiais estarão ali para salvá-la. A rigor, não tenho nenhum problema com esse tipo de escolha cênica. Ela só se torna problemática porque é uma repetição de vários momentos semelhantes vistos nos volumes anteriores. Entendo que, como criminóloga, Júlia irá confiar em suas análises e constantemente estará frente a frente com psicopatas e criminosos de todas as espécies — e sabemos que os extremos comportamentais (ou teóricos, diga-se de passagem) possuem muito em comum, apesar dessas coisas terem significados distintos para cada lado. Eventualmente, esse tipo de atitude pode se repetir. Mas ainda estamos na 21ª edição e já colecionamos algumas ações da personagem nessa mesma seara… Não é algo que estraga a aventura, longe disso. Mas que quebra um pouco de sua grandeza, justamente no clímax, ah, isso sim.

Júlia Kendall – Vol. 21: Furo de Reportagem (Scoop) — Itália, junho de 2000
No Brasil:
Mythos Editora, 2006 e 2021
Roteiro: Giancarlo Berardi, Giuseppe De Nardo, Maurizio Mantero
Arte: Giancarlo Caracuzzo
Capa: Marco Soldi
130 páginas

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