Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Júlia Kendall – Vol. 22: Um Silêncio que Grita (Esse Grito que se Cala)

Crítica | Júlia Kendall – Vol. 22: Um Silêncio que Grita (Esse Grito que se Cala)

Síndrome de onipotência.

por Luiz Santiago
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Existem dois títulos para essa história aqui no Brasil, ambos derivados de diferentes fases da Editora Mythos. No lançamento de 2006, a editora traduziu como Um Silêncio que Grita (do original Quest’urlo Che Tace). Já na versão em formato italiano lançada em 2021, o título saiu como Esse Grito que se Cala. Ambas as traduções são boas e estão condizentes com aquilo que a obra transmite, em termos de significado poético/metafórico, embora a segunda versão esteja mais próxima do sentido literal vindo do italiano. Particularmente, gosto das duas, e acabo citando uma ou outra versão sempre que vou fazer referência a essa trama.

Giancarlo Berardi e Lorenzo Calza começam a história com uma “premissa falsa”, ou seja, fazem o leitor acreditar que o motivo de investigação irá para um determinado caminho (envolvendo um atropelamento), mas o roteiro acaba ganhando outros ares, com algo bem mais sério, por sinal. Um caminho que nos faz ter contato com pessoas em situação de rua, com a periferia de Garden City e com um peculiar mercy killer, um “assassino eutanásico“, que mata pessoas que estão muito doentes ou em vias de ficar irremediavelmente muito doentes… tudo para livrar essas pessoas do grande sofrimento pelo qual estão prestes a passar.

Só essa premissa nos dá uma boa quantidade de elementos para discutir. A criação do perfil do assassino por Júlia Kendall, nessa edição, também serve para nos despistar um pouco de coisas que estão o tempo inteiro na nossa frente. Gosto bastante desse tipo de roteiro porque eles tornam o final mais amargo, além de trazer um fator surpresa, que tem um papel importante na nossa avaliação geral da obra. A história, no todo, é muito bem concebida e não há maiores reclamações em relação ao encadeamento investigativo. O que me incomodou aqui foi o trato dado a Emily Jones, a governanta de Júlia. Entendo a intenção humorística pretendida pelos autores e acho que ela funciona bem no enredo, mas a maneira como a personagem é tratada — fora desses sustos — e o fato de ter que esfregar, no banho, o desagradável Virgil Rufus (desenhado aos moldes do “Dude”, em O Grande Lebowski) me desagradou consideravelmente.

O processo de investigação nessas edições tem sido tão bem organizado e colocado de maneira tão orgânica no cotidiano de Júlia, Webb e Irving que a história flutua tranquilamente durante o processo de formação do quebra-cabeça. Aqui vemos Júlia usar de sua bolsa com “a arma secreta” dentro, e isso mais de uma vez! É engraçado e também coloca a personagem diante de alguns perigos que pode enfrentar sozinha, ou pelo menos começar a enfrentar, até que receba ajuda. A sensação que os autores passam é de um perigo andando ao lado da protagonista o tempo inteiro, como se Rufus fosse, a qualquer momento, agir de maneira indevida, seja de forma violenta, seja com algum tipo de assédio para com a personagem.

A análise de personalidade e o tipo de crime cometido em Um Silêncio Que Grita nos faz pensar em pessoas que se acham no direito de decidir o que é melhor para os outros e, no fim das contas, acabam fazendo tudo para beneficiar ou salvar a si mesmos. Há também uma discussão paralela sobre o efeito psicológico e o hábito que se fixam em algumas pessoas em situação de rua. Somados a outros fatores emocionais e, alguns diriam, até espirituais, esses indivíduos “preferem” — ou ao menos suas ações dão entender isso — continuar na paupérrima situação de vida em que se encontram, especialmente quando existem drogas envolvidas ou algum tipo de prazer pessoal naquela situação, como o poeta assassinado nessa história ou o colega do pai de Júlia, que aparece no pequeno flashback. É um misto de discussão psicológica e sociológica que certamente vai longe.

Júlia Kendall – Vol. 22: Um Silêncio que Grita / Esse Grito que se Cala (Quest’urlo che tace) — Itália, julho de 2000
No Brasil:
Mythos, 2006 e 2021
Roteiro: Giancarlo Berardi, Lorenzo Calza
Arte: Roberto Zaghi, Thomas Campi
Capa: Marco Soldi
130 páginas

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