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Crítica | Jurassic Park – Trilha Sonora Original

por Luiz Santiago
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Eu não sei se vocês perceberam, mas eu ando com uma (quase) incurável ressaca para escrever sobre música. Do momento em que escrevo o presente texto (novembro de 2020), me distancio em quase dois anos da última postagem específica sobre música que publiquei aqui no site, o TOP 10 de álbuns do grande Caetano Veloso. De lá para cá participei, a convite do Ritter, com pequenos comentários sobre algumas trilhas de um dos meus compositores favoritos (ver o Top 25 – Ennio Morricone: Composições para Conhecer o Mestre) e isso é tudo. A ressaca, é claro, não tem nada a ver com a música, como arte, apenas com minha perda de vontade de escrever sobre, apesar de seguir ouvindo muita coisa, várias horas por dia.

Muito recentemente o Sr. Ritter deu na telha de me trazer tentações disfarçadas de ofertas. Primeiro foi com o AC/DC, depois foi Bruce Springsteen (que gerou esse texto histórico no Plano Crítico, a primeira crítica de música escrita pelo Ritter) e por fim, ele conseguiu dar o bote certeiro, basicamente me escrevendo um e-mail de 6 mil palavras com a maior chantagem emocional que o Ocidente civilizado já presenciou. Esta, todavia, era mais forte que qualquer ressaca que eu pudesse ter. Falava de uma colossal paixão de minha infância e, se você já leu o nosso Top 5 – Os Filmes Que Mais Vezes Assistimos, sabe que eu não tinha como rejeitar. Como poderia dizer “não” a Jurassic Park?

Composta por John Williams, essa trilha sonora tem algo de bastante especial na linha do tempo do compositor. Ela veio após um exercício mais leve e divertido dele em Esqueceram de Mim 2: Perdido em Nova York, e chegou aos cinemas alguns meses antes da densa e tensa partitura de A Lista de Schindler. Wlliams aqui está num brilhante momento criativo, já em sua maturidade como compositor e com uma de suas mais interessantes ideias em termos de estrutura geral de uma trilha, que possui um elemento de ligação contínuo focando na fragilidade do homem e na grandeza dos dinossauros. E isso é ainda mais impressionante porque em Jurassic Park ele transformou um inicial “desajuste de intenção” em uma de suas melhores criações.

Inicialmente temos um grande impacto que não se completa, a faixa Opening Titles. São apenas alguns segundos do coro em harmonia com as cordas e a fortíssima marcação da percussão indicando os passos dos dinos. É uma marca inicial amedrontadora e que musicalmente consegue dar a dimensão do bicho, mas rapidamente o compositor “muda de ideia” e nos traz a pedra angular da trilha (Theme from Jurassic Park) que encarna aquilo que comentei no parágrafo anterior, o “desajuste de intenção” do maestro. Em entrevista, ele disse ter ficado ficou espantado com o fato de o tema ter começado muito mais alegre do que havia imaginado, e a partir dessa imensa alegria é que surgiu uma verdadeira grande ideia, algo que só podemos ter a real dimensão agora, anos depois, em retrospecto.

Prestem bem atenção na progressão desse tema. Quem começa a nos contar a história é a trompa, com uma leve variação para um tema que se repete três vezes e, na terceira, é acompanhado por outros sopros (flautas, clarinete, eufônio), também pela harpa e finalmente pelas cordas e o restante da orquestra. O jogo musical aqui é brilhante. A trompa solo nos dá uma sensação de importância, de algo muito potente que está para acontecer (e está mesmo!), mas em vez de seguir por um caminho óbvio, o compositor nos carrega por um tema alegre, basicamente fazendo com que o nosso olhar deslumbrado de criança (essa definição é do próprio compositor) passe a ver toda aquela grandeza da natureza. Mais adiante no tema o coral volta em harmonia com o tema principal. E notem que este tem marcações muito precisas, como se aludisse à passagem dessas grandes criaturas e talvez nos dizendo que, ao menos nesse primeiro momento, elas não nos farão mal algum. São ‘apenas’ gigantes da natureza que estão aqui para que os admiremos.

Lembram da minha afirmação mais acima de que essa trilha sonora traz uma das melhores unidades musicais já compostas por John Williams? Querem uma prova disso já no início do filme? Ouçam como a gente passa do deslumbramento grandioso do tema principal para Incident at Isla Nublar e logo em seguida para Journey to the Island. A orquestra diminui o volume e o contrabaixo rapidamente entra, acompanhado pelas outras cordas, agora trabalhando o medo no público. Se você se lembrar de como o compositor conseguiu intensificar o medo em Tubarão, através de um suspense em continuidade, como se fosse uma corda sendo esticada até não poder mais, verá que ele volta a essa mesma base aqui em Jurassic Park, só que com uma deferência maior ao animal em questão, prova disso é a aparição da percussão e do coro, ainda no início de Incident at Isla Nublar. O clima é de medo pela incerteza. Ele começa muitíssimo sombrio e depois ganha cores e abraça o caráter épico em relação aos monstros – veja como a intenção musical muda – com os trompetes gritando, a orquestra frenética e o flautim aparecendo ao fim de cada pequeno ciclo. Para quem tem bom ouvido e memória, notará aí uma certa variação para temas de Star Wars e também a influência de um dos temas mais famosos de Bernard Herrmann na maneira como a orquestra ataca de modo quase psicótico (hehehe) um pouco antes das linhas finais.

A chegada de Journey to the Island nos oferece o primeiro prato de leitmotiv, agora mergulhado na aventura, com um tipo de tema ensolarado – e com isso, quero dizer: sopros quase em ritmo de marcha, harpas e percussão suavizando a cada bloco, violinos e violas tocando como se estivéssemos flutuando num mar calmo… – que é bem característico do compositor. A gente nota, porém, que essa aventura vai pouco a pouco dando lugar a um pouco de incerteza, nunca abandonando o tema glorioso (note a revisita às linhas do tema principal), mas nos familiarizando cada vez mais com a ameaça que esses animais representam, uma confirmação que vem imediatamente a seguir, com a brilhante The Raptor Attack, minha faixa favorita de todo o trabalho.

Lembram-se do elemento sombrio lá de Opening Titles? Pois bem, eles voltam aqui, não mais demarcando as pisadas dos bichos, mas a sensação de terror que ele é capaz de gerar no homem. Consegue-se isso através de baixos e cellos tocando com muita intensidade + tuba, fagote e outros instrumentos graves demarcando esse território tenebroso. Uma outra brincadeira do compositor com essa dualidade de “deslumbramento X ameaça” é percebida logo a seguir, com Hatching Baby Raptor. Vejam que a ameaça não foi embora, mas o coro adota uma harmina angelical, mais aguda, com notas mais longas, e o piano dá a sensação de conforto, aludindo, juntamente com a harpa, às canções de ninar (motivo para o qual o compositor voltaria muitas vezes, até o final da obra). É um tema extremamente delicado, mas que não está alheio ao fato de que aquele bebezinho que acaba de nascer é uma força matadora da natureza.

Welcome to Jurassic Park retrabalha de cara o motivo do nascimento do raptor com elementos sombrios. É quase um momento de ternura, de recepção mesmo, uma composição que, pra mim, soa extremamente irônica e que por isso mesmo é genial. O piano nessa faixa ganha mais destaque (ele é o nosso guia) e os pentagramas do deslumbramento lá do tema de abertura voltam aqui, com sinos e tudo; um caminho que é basicamente expandido e retrabalhado com mais melancolia em My Friend, the Brachiosaurus. Já a composição seguinte, Dennis Steals the Embryo é outra de minhas favoritas da peça. É o momento onde temos sintetizadores e a percussão marcando o tempo como se fosse um cronômetro (lembra Tubarão também, só que com mais instrumentos e quase um tom de troça). Os sopros novamente lembram uma marcha intensa e uma flauta de bambu aparece ao final de cada ciclo, acrescentando um ar de maior estranheza.

Em A Tree For My Bed voltamos à temática da canção de ninar, numa faixa plácida, com oportunas entradas da orquestra, enquanto High-Wire Stunts tem função oposta. É uma faixa que retrabalha certos temas anteriores, mas que abre as portas para o que veríamos e ouviríamos nas composições restantes, tanto na parte sombria, quanto na parte de deslumbrante atenção. Remembering Petticoat Lane encarna isso com doses de suspense na “canção de ninar” e Jurassic Park Gate se desloca inicialmente para alguns pentagramas de música com aparência étnica, especialmente pelo uso da percussão, que rapidamente desmistifica essa toada auditiva e nos leva para um ambiente conhecido, cada vez mais intenso e ágil, com Eye to Eye e T-Rex Rescue & Finale. Essas possuem transições muito similares a de filmes de terror e o final épico fecha, com maior força da orquestra, os temas que ouvimos com foco em cada grupo instrumental lá no início da trilha.

O grande fascínio e espanto que os dinossauros nos causam é capturado nessa trilha de uma forma que respeita a imponência desses bichos, mas nunca abandona o outro lado dessa moeda, o lado humano. Os contrastes musicais de toda a obra opõem a fragilidade e a infantilidade do homem diante desses animais enormes, e a sensação de medo, as atmosferas de perseguição e fuga e o retorno à observação embasbacada evidenciam aquilo que o próprio filme nos mostra: por mais assustadores e ameaçadores que sejam, os dinossauros sempre farão parte de nosso imaginário, de nossas fantasias, de nossas emoções. Perto deles, voltamos a ser crianças assustadas e deslumbradas. Um sentimento aqui deliciosamente expresso em música. Uma trilha sonora pra ninguém botar defeito. E se botar… uma trilha sonora para esmagar com grandes patas qualquer um que botar defeito…

Jurassic Park: Original Motion Picture Soundtrack
Compositor: John Williams
Gravadora: MCA
Ano: 1993
Estilo: Trilha Sonora (coro e orquestra)
Duração: 73 min.

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