- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas da série e, aqui, de todo o material envolvendo o personagem Raylan Givens.
We dug coal together.
Chegar ao fim (temporário) de uma série como Justified é, inevitavelmente, lidar com o peso da trajetória. Depois de cinco anos entre o procedural policial, o drama criminal e o retrato quase mítico de Harlan, o sexto ano chega como a promessa de encerramento e, sobretudo, como o acerto de contas definitivo entre Raylan Givens e Boyd Crowder. Se a quinta temporada funcionava como um elo de transição, preparando peças e reposicionando personagens, a última é o duelo final, não apenas entre dois homens, mas entre duas formas de encarar a vida, duas éticas e dois destinos que nascem do mesmo solo.
A temporada começa com um gesto emblemático: a morte de Dewey Crowe, personagem cômico e trágico desde o início. Ao eliminá-lo de forma tão fria, Boyd não só fecha o ciclo da família Crowe, como também sinaliza que não há mais espaço para desvios ou figuras laterais: a narrativa se concentra, enfim, no coração da série. Tudo converge para Raylan, Boyd e Ava. Nesse sentido, a temporada retoma a força dos melhores anos, equilibrando tensão criminal e drama íntimo. A chegada de Avery Markham (Sam Elliott), um mafioso com ambições sobre as terras de Harlan, reintroduz o velho tema da cobiça territorial, ao mesmo tempo em que serve de combustível para as estratégias de Boyd. Mas, mais do que Markham e seus capangas, o grande adversário de Raylan é aquele que sempre esteve à sua frente: Boyd, o irmão de destino que escolheu outro caminho. Nesse sentido, a participação dos antagonistas secundários é mais fraca do que em temporadas anteriores, incluindo não só Markham, mas Katherine Hale (Mary Steenburgen) e o velho Wynn Duffy (Jere Burns) também, o que faz sentido dentro da trama de fato focada nos adversários principais.
Se Raylan e Boyd são os duelistas, Ava é a peça-chave da temporada. Libertada da prisão, mas marcada pela experiência, ela passa a viver sob a pressão insuportável de ser informante para Raylan enquanto mantém sua lealdade, ou ao menos a aparência dela, com Boyd. Essa posição ambígua é o motor dramático da temporada. Ao longo dos episódios, sua trajetória oscila entre coragem, medo e desespero, culminando na decisão de trair Boyd para tentar salvar a si mesma. Walton Goggins faz de Boyd Crowder um dos vilões mais fascinantes da televisão, e a sexta temporada é seu ápice. Sedutor, inteligente, violento, mas também apaixonado e vulnerável, Boyd é mostrado em sua plenitude. Sua obsessão por grandes golpes, sua crença em uma vida melhor com Ava e sua incapacidade de romper com o ciclo de violência compõem um retrato trágico e um estudo final de um personagem realmente marcante.
O contraste com o Raylan de Timothy Olyphant é direto: ambos filhos de Harlan, ambos marcados pela herança paterna, ambos incapazes de fugir da terra natal. Mas onde Raylan canaliza sua rebeldia para o lado da lei, Boyd a leva para o crime. A série constrói, assim, não apenas um antagonismo, mas um espelhamento que conclui dois arcos bem desenvolvidos ao longo das seis temporadas. Raylan, por sua vez, enfrenta o dilema que o perseguiu desde o piloto: pode escapar de Harlan? Pode ser um pai presente para Willa e finalmente viver ao lado de Winona? A última temporada expõe sua fadiga, seu desejo de encerrar o ciclo, mas também mostra como ele continua atraído para a violência que tenta deixar para trás, na temporada que mais se assemelha a um western antigo. O duelo com Boon, o pistoleiro de Markham, funciona como uma metáfora direta: Raylan, o último cowboy, encara um jovem que representa a continuidade do mito da violência. O resultado em um duelo clássico de faroeste não é apenas fan service, mas a reafirmação de que Raylan não pode escapar de sua identidade. Ele é, até o fim, o homem da lei que só sabe viver no fio da navalha.
Visualmente, a sexta temporada mantém a estética árida, rural e realista que sempre caracterizou a série, com tudo convergindo para Harlan, como se a cidade fosse uma prisão invisível da qual ninguém escapa. A trilha, marcada pelo bluegrass e pelo country, reforça o tom crepuscular: é o faroeste em sua versão moderna, onde pistoleiros trocam os desertos do Oeste pelas minas abandonadas do Kentucky. O desfecho da série é exemplar porque recusa tanto a catarse sangrenta quanto o melodrama reconciliador. Raylan não mata Boyd, apesar de todas as provocações e de sua relutância; ao contrário, garante que ele viva e que continue preso em sua própria condição. Ava, por sua vez, consegue fugir, reconstruir a vida e criar um filho em segredo. A cena final entre Raylan e Boyd é a síntese perfeita do que Justified sempre foi: uma história sobre dois homens que compartilham raízes, que poderiam ter seguido caminhos semelhantes, mas que acabaram em lados opostos.
Justified sai de cena reafirmando sua singularidade: um faroeste moderno, enraizado no realismo social do interior dos EUA, mas permeado por arquétipos míticos; uma série que equilibra violência, ironia e humanidade; um retrato de como o lugar onde nascemos nos molda para sempre. Não penso que a narrativa consegue atingir o mesmo nível de tensão e qualidade do segundo ano, mas, no fim, a trama tem uma conclusão de alto gabarito. O legado de Raylan, Boyd e Ava não é apenas a história de um triângulo de amor, ódio e sobrevivência, mas a constatação de que, em Harlan, ninguém escapa ileso. E talvez essa seja a maior virtude da série: mostrar que, por mais que se tente escapar, o passado sempre cavará fundo, como o carvão extraído das minas que definem aquela terra.
Justified – 6ª Temporada (EUA, 20 de janeiro a 14 de abril de 2015)
Criação e desenvolvimento: Graham Yost (baseado em obras de Elmore Leonard)
Direção: Michael Dinner, Jon Avnet, Peter Weller, Peter Werner, Don Kurt, John Dahl, Gwyneth Horder-Payton, Adam Arkin, Michael Pressman
Roteiro: Graham Yost, Dave Andron, Benjamin Cavell, Taylor Elmore, Fred Golan, VJ Boyd, Ingrid Escajeda, Chris Provenzano, Keith Schreier, Leonard Chang, Jennifer Kennedy, Jenny DeArmitt
Elenco: Timothy Olyphant, Nick Searcy, Joelle Carter, Jacob Pitts, Erica Tazel, Walton Goggins, Jere Burns, Patton Oswalt, Rick Gomez, Mary Steenburgen, Sam Elliott, Ryan Dorsey, Justin Welborn, Garret Dillahunt, Jeff Fahey, Jonathan Kowalsky, Scott Grimes, Kaitlyn Dever, Jonathan Tucker, Mel Fair, Shawn Parsons, Duke Davis Roberts, Mykelti Williamson, Ashley Dulaney, Brad Leland, Natalie Zea, Tom Proctor, Jeffrey Pierce, Raymond J. Barry, Jake Busey, Riley Bodenstab, Jeremy Davies, Demetrius Grosse, Damon Herriman, David Koechner, Don McManus, Abby Miller, Rolando Molina, Danny Strong, Bill Tangradi
Duração: 584 min. (13 episódios)