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Crítica | Kick-Ass 3

por Ritter Fan
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estrelas 4

Pilar principal sobre o qual o hoje conhecido Millarworld – universo autoral em quadrinhos criado por Mark Millar – foi construído, Kick-Ass ganhou sua terceira e aparentemente última história ao longo dos anos de 2013 e 2014 e oito edições, fechando as pontas das histórias contadas em Kick-Ass – Quebrando Tudo, Kick-Ass 2 e no spin-off Hit-Girl que, na verdade, é um prelúdio para Kick-Ass 2, só que publicado posteriormente. E a terceira minissérie encerra de forma digna e condizente as aventuras de Dave Lizewski, o personagem-título e Mindy McCready, a Hit-Girl, mantendo a pegada subversiva e politicamente incorreta que marcou toda essa trajetória e que basicamente caracteriza tudo que Millar faz em seu próprio universo e também fora, ainda que com menos liberdade, naturalmente.

Quando a história começa, não muito tempo depois dos eventos catastróficos do segundo volume, Kick-Ass lê instruções deixadas por Hit-Girl para libertá-la da prisão. Logo de cara, o leitor é confrontado com algo que o faz coçar a cabeça em descrença e perguntar como é que raios um monte de jovens justiceiros do Justiça Eterna conseguiriam fazer uma operação tão complexa quanto libertar a menina de uma prisão de segurança máxima? A resposta não demora e ela é frustrante, mas, ao mesmo tempo, singela e realista: eles não conseguem. Aliás, nem chegam próximo de libertá-la. Pontos para Millar ao não tentar transformar sua história em algo completamente desgrudado da proposta inicial de algo extremamente violento, mas razoavelmente pé no chão.

A partir daí, é vida que segue. Mindy permanece presa em sequências sensacionais e muito claramente inspiradas por Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes, Dave se forma, começa um relacionamento e continua sendo o vigilante low-profile Kick-Ass nas horas vagas, mas cada vez com menos ênfase nesse seu lado solitário e Chris Genovese, o Red Mist/Motherfucker, arquivilão de Kick-Ass, sobrevive a um atentado no hospital onde está e, depois, é acolhido no seio familiar por seu tio mafioso Don Rocco “Ice-Man” Genovese.

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É Don Rocco, então, depois de lidar com policiais corruptos, que passa a eliminar os membros do Justiça Eterna e ordena a execução de Mindy por Chris, o que catalisa o foco da ação da história, inevitavelmente reunindo o personagens para uma última e mais do que bombástica missão. Quando mencionei o “realismo” e o “pé no chão” mais acima, o fiz com reservas, claro, pois Millar apenas parte de uma premissa mundana – pessoas comuns usando máscaras para praticar vigilantismo pelas ruas – para catapultar uma história impossível e extremamente violenta protagonizada por crianças e adolescentes. Se o Kick-Ass em si é alguém com quem muitos podem se identificar, sendo realmente muito próximo do “real”, Hit-Girl é a completa antítese do realismo, uma menina bem mais adulta que sua tenra idade deixa entrever e mais eficiente e mais cheia de gadgets do que o Batman, com a (des)vantagem de ela nunca, em momento algum, hesitar em trucidar seus inimigos com o que estiver disponível. É essa mistura que tornou o primeiro volume da história algo memorável e único e que o próprio Millar traiu um pouco no segundo, voltando à forma no spin-off e mais uma vez acertando no terceiro.

Não chega a ser algo tão especial quanto o inigualável primeiro volume, porém, já que a história tem uma “barriga” que é usada para lidar com a normalização da vida de Dave e seu relacionamento com Valerie, por quem se apaixona em sinal claro de amadurecimento do personagem. Essa visão íntima do adolescente nerd que descobre que não está sozinho no mundo tem seu charme e é um desenvolvimento natural da narrativa, mas Millar emprega muito tempo nesse lado, o que retira o dinamismo da história e quebra sua fluidez. Não que os eventos paralelos envolvendo Mindy e Don Rocco não mitiguem o problema, mas eles não o fazem desaparecer.

De toda forma, dentro desse universo bem particular, há um bom ritmo narrativo que leva a um desfecho lógico e bem estruturado que, se não é daqueles definitivos (Millar não eliminaria uma de suas galinhas dos ovos de ouro), mais do que satisfaz o leitor que espera um fim como anunciado. É como a metafórica porta se fechando, mas deixando aquela frestinha que pode ser explorada em algum futuro incerto e não sabido, caso o autor assim queira.

A arte, como sempre, é do co-criador da série John Romita, Jr., um artista que, por mais que tenha seus altos e baixos quando desenha quadrinhos mainstream, em Kick-Ass ele sempre encontrou o tom exato, repetindo a façanha aqui pela quarta vez. Seus traços marcantes que criam um certo realismo caricato, se é que isso é possível, ajudam a justamente materializar a pegada que Millar imprime a seus personagens, que andam na corta bamba entre uma coisa e outra. Rostos expressivos, figurinos – tantos os super-heroísticos quanto os “normais” – muito bem trabalhados e críveis e uma progressão visual clara, certeira, que faz o melhor do texto já enxuto e objetivo de Millar, tornando a leitura fácil e prazerosa (se o leitor, claro, estiver preparado para a violência extrema, mas considerando que este é o quarto volume da série, qualquer um que pegar a história para ler simplesmente terá que estar) mesmo quando as sequências menos movimentadas se avolumam lá pela metade da obra.

Kick-Ass 3, assim, encerra com categoria essa divertida (e, convenhamos, doentia) criação do Millarworld. Aliás, trata-se de um final tão bom que acaba deixando saudades de Dave, Mindy e companhia. Será que um dia eles voltam?

Kick-Ass 3 (Kick-Ass 3, EUA – 2013/14)
Contendo:
Kick-Ass 3 #1 a #8
Roteiro: Mark Millar
Arte: John Romita, Jr.
Arte-final: Tom Palmer
Cores: Dean White, com Michael Kelleher
Letras: Chris Eliopoulos
Editora original: Marvel Comics (selo Icon)
Data original de lançamento: agosto de 2013 a outubro de 2014
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de lançamento no Brasil: maio de 2015 (encadernado)
Páginas: 260 (encadernado brasileiro)

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