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Crítica | Kill Bill: Volume 2

por Ritter Fan
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estrelas 5

  • spoilers.

A decisão de dividir Kill Bill em dois filmes foi fundamentalmente econômica, pois a duração do corte original de Quentin Tarantino era longo demais (mais de quatro horas) e isso assustaria potenciais espectadores, além de diminuir o número de sessões por dia. No entanto, o fato é que a decisão, derivada de um mandamento de Harvey Weinstein, o produtor, tornou-se, também, um acerto do lado estético.

Em Kill Bill: Volume 2, continuação direta do primeiro volume, claro, vemos o desenrolar do projeto de vingança da Noiva (Uma Thurman). Tendo assassinado Vernita Green (Vivica A. Fox) e O-Ren Ishii (Lucy Liu) no filme anterior (além de ter mutilado e matado dezenas de capangas da segunda vilã), restam, apenas, Budd (Michael Madsen) e Elle Driver (Daryl Hannah) antes de ela chegar a seu alvo principal, Bill (David Carradine).

Mas, para a surpresa de quem esperava mais do mesmo, ou seja, muita ação sanguinária estilizada, o segundo capítulo da saga de vingança da Noiva é completamente diferente em praticamente todos os quesitos. Para começar, tudo é feito de maneira cadenciada e bem diferente do frenesi explosivo do primeiro filme. Essa mudança de passo estabelece outro ritmo ao Volume 2, quase uma ruptura total em relação ao que veio antes. Não há dúvidas que estamos vendo uma continuação, que isso fique claro, mas os elementos quase fantasiosos da primeira parte e a velocidade impressa por Tarantino e Sally Menke são freadas na segunda. Ou, usando o cinema como comparação, sai a inspiração nos movimentados filmes de artes marciais chineses e japoneses dos anos 70 e entra a típica abordagem contemplativa e paciente do spaghetti western de Sergio Leone.

E é por essa razão que considero a quebra do filme em dois volumes extremamente salutar também sob o ponto de vista estético. Ao final de Kill Bill: Volume 1, os espectadores estão exaustos. Pode parecer que não, mas acompanhar as peripécias da Noiva ao longo das gigantescas e sangrentas sequências dentro do The House of Blue Leaves é como correr uma maratona com os olhos. É muita informação, consciente e inconsciente, para processar e o descanso é bem-vindo.

Além disso, se os filmes fossem costurados em um só (como já foram na mítica versão The Whole Bloody Affair, projetada em festivais e ocasionalmente no cinema do cineasta, mas nunca lançada para o público em geral), a redução abrupta na velocidade da segunda parte se comparada com a primeira tornaria a experiência no mínimo estranha. Tarantino sabe que a mortandade do primeiro filme não poderia se sustentar na continuação e o que vemos em Kill Bill: Volume 2 é uma espécie de denouément de duas horas da sana vingativa da Noiva.

E tudo funciona também perfeitamente bem, talvez até melhor do que no Volume 1. Logo no início, vemos a Noiva, em fotografia em preto-e-branco, dirigindo um conversível. Ela já revela que só falta Bill para matar e o que vemos, a partir daí, é o que aconteceu antes desse momento da abertura, que só é retomado no final, logo antes do combate entre ela e seu maior inimigo. Tarantino quer nos deixar cientes que, aqui, o importante é a jornada e não seu resultado. E toda essa atmosfera de filme noir passada pela fotografia e narração em off é, súbita e brilhantemente, convertida em western spaghetti, com direito a flashback recontando exatamente o que aconteceu na fatídica capela onde tudo começou.

Assim como nos faroestes de Sergio Leone, tudo é muito devagar. Só para se ter uma ideia, a Noiva mata apenas uma pessoa durante todo o filme, mas tudo que acontece tem significado e faz sentido. O ar super-heroístico da protagonista no primeiro volume desaparece no segundo, quando Budd (Madsen) simplesmente a enterra viva (e Tarantino voltaria a esse tema no capítulo duplo de C.S.I., que dirigiria depois) e ela tem que escapar de forma impossível, com direito a lembranças sobre seu surreal treinamento com Pai Mei (Gordon Liu), em outra transição suave, mas forte, para os filmes de kung-fu da década de 70.

A coreografia também muda completamente nos combates. Calejado dos duelos com espada do primeiro filme, o espectador é brindado com uma vibrante sequência no trailer de Budd em que a Noiva enfrenta a caolha Elle Driver. Reparem como o trailer é espaçoso nas cenas que antecedem o combate, com Driver tendo uma amena “conversa” com Budd sobre espadas, dinheiro e cobras… Quando a Noiva chega, o trailer fica diminuto, impedindo que as espadas de Hattori Hanzo sejam desembainhadas completamente. A luta é visceral, energética e toda ela em espaço confinado, com as espadas não sendo muito mais do que enfeites ou bastões enobrecidos. Bem diferente da gigantesca e espaçosa sequência cheia de instrumentos cortantes de toda a natureza que vimos anteriormente, não é mesmo?

E tudo porque Tarantino quis trabalhar uma homenagem aos filmes de cowboy estilizados e não voltar à homenagem do anterior, mas sem perder a conexão. Parece fácil quando escrevemos e falamos sobre isso, mas percebam a engenharia por trás. Hollywood, hoje, entrega exatamente o que o espectador quer ver, sem nenhuma surpresa ou verdadeira mudança. Criando seu riquíssimo universo (olhem quanta história não dita existe por trás de cada diálogo do filme), Tarantino não faz mais do mesmo e sim nos dá uma espécie de rasteira cinematográfica, puxando o freio de mão e dando um “cavalo de pau” de 180º em Kill Bill: Volume 2. Ele entrega o final que queremos, mas não da maneira que imaginávamos.

Querem mais um exemplo? Vejam que coisa fantástica é a sequencia em que a Noiva (já revelada como Beatrix Kiddo, nome que Bill usa – mas nós não sabemos que é o nome dela – no primeiro minuto do primeiro filme) chega de pistola em punho na hacienda de Bill. Ela está pronta para acabar o trabalho e destroçar seu inimigo. A porta se abre e esperamos a pancadaria final, mas, em seu lugar, Kiddo descobre que sua filha está viva e os três – Bill está lá – brincam de matar e morrer. Depois de anos quase morta, exatamente no momento em que a Noiva está mais viva, ela tem que morrer de brincadeira.

E, claro, depois dos ânimos arrefecidos, ainda somos brindados com uma longa sequência, com direito a soro da verdade injetado por meio de um dardo na perna de Kiddo e a um longo e extremamente convincente monólogo de Bill sobre a verdadeira natureza do Superman. Notem que estamos em um filme estilo noir/faroeste/kung-fu e o saudoso David Carradine encapsula, do nada e com perfeição, talvez canalizando a filosofia de seu personagem Caine, na série Kung-Fu, que o imortalizou, o que é um super-herói da ficção. E tudo para desaguar em um combate completamente anti-climático, mas que é absolutamente gratificante e poderoso. Não só vemos a mítica Five Point Palm Exploding Heart Technique em ação, como testemunhamos a resignação – e até felicidade – de um homem que sabia que um desfecho como aquele era inevitável e o único possível e perfeitamente esperado e talvez até ansiado por ele.

Se a saga de vingança Kill Bill não tivesse sido dividida em duas fundamentalmente iguais, mas detalhadamente diferentes partes (afinal, o que importa são as pequenas diferenças, não é mesmo?), a conclusão de meus comentários seria provavelmente outro. Do jeito que foi feito, Tarantino nos entregou duas obras-primas, duas odes ao cinema de gênero que funcionam cada uma de seu jeito peculiar ao ponto de ser uma tarefa árdua escolher qual delas é a melhor.

  • Crítica originalmente publicada em 02 de janeiro de 2016, reformulada para republicação hoje, 08/08/19.

Kill Bill: Volume 2 (Kill Bill: Vol. 2, EUA – 2004)
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Uma Thurman, Lucy Liu, Vivica A. Fox, Daryl Hannah, David Carradine, Michael Madsen, Gordon Liu, Michael Parks, Michael Bowen, James Parks, Jonathan Loughran, Perla Haney-Jardine
Duração: 111 min.

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