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Crítica | Kill Shakespeare – Vol. 1

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

E se os personagens das diversas obras de Shakespeare vivessem em uma mesma era, em um mesmo universo e quisessem, literalmente, matar Shakespeare, considerado um deus criador de tudo e de todos? Irresistível a premissa, não é mesmo?

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Capa do Vol. 1

E é exatamente o que fazem Anthony Del Col e Conor McCreery, co-roteiristas e Andy Belanger na arte, com publicação da IDW Publishing. Seguindo uma linha que mistura a ideia por detrás do pioneiro A Liga Extraordinária e do excelente Fábulas (a reunião de personagens de diversas histórias diferentes) com O Inescrito (o “deus” criador de um universo literário), o trio nos faz passear por um inusitado universo em que Hamlet é o herói principal, um messias que inadvertidamente passa a ter a missão de encontrar – e matar – o deus criador Shakespeare (“Por Will!” é uma exclamação comum nesse mundo), depois que é manobrado por Ricardo III que quer tomar posse da pena mágica (caneta) dele e que, por sua vez, é manobrado por Lady McBeth, literalmente uma bruxa.

Demonstrando total controle sobre as criações shakespearianas, Del Col e McCreery conseguem trabalhar as personalidades dos personagens muito bem, sem trair as obras originais (com uma exceção – mais sobre isso adiante), ainda que, inevitavelmente, tomem liberdades com o material fonte, especialmente em termos geográficos, já que tudo se passa no reino de Ricardo III, mas que não é identificado como sendo a Inglaterra. Além disso, sem muita explicação – pelo menos nesse primeiro volume – personagens de outros países estão lutando contra e a favor de Ricardo III em seu reino, ainda que os países originais não sejam completamente ignorados.

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Hamlet e Ricardo III em uma mesma história? Quem não quer?

O mais interessante é que os roteiristas são capazes de, com muita fluidez e inteligência, começar e desenvolver a história sem muito texto expositivo. Quem nunca ouviu falar de Hamlet, Ricardo III, Lady McBeth, Julieta, Othello, Iago, Falstaff, Demetrius, Adriana, Don John e diversos outros personagens das mais diferentes obras de Shakespeare, não ficarão perdidos. No entanto, é evidente que quem vai verdadeiramente se divertir com as citações e caracterizações é quem tem alguma intimidade com as peças do dramaturgo inglês.

Quem conhece, sabe que as palavras suaves de Iago são carregadas de mentiras, por mais convincentes que elas sejam. Quem conhece sabe que a deformidade de Ricardo III é um elemento essencial para a narrativa da peça. Quem conhece sabe dos problemas psicológicos de Hamlet, suas hesitações, suas ações destemperadas e entende perfeitamente o porquê de ele ter sido escolhido como o protagonista da série. Quem não conhece também vai se divertir, mas de maneira muito mais simplista e rasa.

Em termos de caracterizações, na verdade, apenas me incomodou a forma como Julieta é retratada. Enquanto todos os demais são bem fieis ao que lemos nas respectivas peças, Julieta é completamente descaracterizada. Continua belíssima, mas, em Kill Shakespeare – vol. 1, ela é uma guerreira e vocal líder de uma revolução. É um passo bem distante de uma menina rica apaixonada por Romeu em Verona, ainda que ela faça referência a um passado dessa natureza. Fica difícil engolir seu personagem e, pelo desenrolar da história, ele será mais e mais importante. Fica a esperança que os roteiristas expliquem um pouco mais a transformação da virginal Julieta na destemida Julieta.

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Lady McBeth ou Morgana Le Fey?

A arte de Andy Belanger é bem detalhada, com fundos repletos de montanhas, pradarias, nuvens, dando uma excelente perspectiva à obra e muito movimento. Em termos da caracterização de personagens, ele faz um ótimo trabalho de diferenciá-los fisicamente, algo essencial nesse tipo de obra, tendo em vista a profusão de nomes. Há uma desnecessária tentativa de atualizar alguns visuais, o que gera anacronismos em termos, por exemplo, de figurino e de cortes de cabelo, além de Hamlet parecer muito bobo ao começo, ainda que, suspeito, isso tenha sido feito de propósito para sublinhar sua inocência e inexperiência de vida, já que, mais para frente, sua fisionomia se encorpa e passa a se fundir melhor com os arredores.

Apesar de às vezes ser confuso demais em sua distribuição de quadros, Belanger consegue alguns efeitos muito interessantes, usando o ambiente para enquadrar a ação de forma bonita e natural. O mesmo vale para as splash pages. São difíceis de acompanhar, mas visualmente muito bem construídas.

Muito menos denso e imaginativo que A Liga Extraordinária, mas extremamente divertido em sua premissa básica, Kill Shakespeare é um passatempo leve e “shakespearicamente” fiel e interessante. Vale a experiência.

Kill Shakespeare – Vol. 1 (Idem, compilando # 1 a 6, EUA – 2010)
Roteiro: Anthony Del Col, Conor McCreery
Arte: Andy Belanger
Cores: Ian Herring
Editora (nos EUA): IDW Publishing (abril a outubro de 2010)
Editora (no Brasil): ainda não publicado
Páginas: 185

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