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Crítica | King Kong (1976)

por Ritter Fan
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Foram necessários mais de 40 anos, mas a inevitável primeira refilmagem de King Kong acabou sendo produzida pelo mítico Dino de Laurentiis, que transporta toda a ação para a modernidade, troca o stop motion por animatrônicos e cria uma versão do enorme símio que é capturado na Ilha da Caveira e levado para a ilha de Manhattan que, para uma geração inteira, foi praticamente a definitiva (ainda que a lembrança das excelentes – e mentirosas – peças publicitárias seja mais viva do que a do monstro que aparece no filme). Mas a grande verdade é que a superprodução da Paramount, a primeira a realmente trazer Kong de volta aos EUA desde O Filho de King Kong, de 1933, mesmo ano do original, tem seríssimos problemas mesmo considerando-se a década em que foi feita, mas também têm qualidades francamente inesperadas que, mesmo que não o redimam completamente, ajudam em sua apreciação plena.

Quando o filme começa, vemos uma expedição petrolífera secreta sendo preparada tendo o ambicioso Fred Wilson (Charles Grodin, vivendo a caricatura histriônica de um vilão de James Bond) no comando. Não demora, e Jack Prescott, vivido por um cabeludo e barbado Jeff Bridges, entra clandestinamente no enorme navio. Quando, já em alto-mar, Wilson faz uma apresentação a seus subordinados e revela o verdadeiro propósito da viagem – achar uma ilha misteriosa, perpetuamente cercada por nevoeiro, que teria petróleo logo abaixo da superfície -, Prescott se apresenta como um paleontólogo especialista em primatas que acha que a ilha pode ser, na verdade, lar de criaturas gigantescas. Um conflito se estabelece muito mais para que tudo seja didaticamente explicado ao espectador e a expedição segue sem maiores percalços.

Ou quase. Graças aos olhos de águia de Prescott, um bote salva-vidas é localizado ao longe e eis que Jessica Lange, em seu primeiro papel, entra para o filme como Dwan, uma aspirante a atriz cujo iate onde estava – sendo cortejada por produtores para usar um eufemismo – explodiu. E é nesse ponto que o filme realmente começa a degringolar.

É mais do que óbvio que é essencial, para se recontar a história de King Kong, que uma bela “dama em perigo” esteja presente, mas o roteiro de Lorenzo Semple Jr. usa essa desculpa para transformar todo o primeiro e exageradamente longo “terço” da fita quase em uma pornochanchada brasileira, algo que é bem do estilo do escritor, mas que é levado ao extremo aqui. Dwan é o estereótipo da loira burra, falando com voz sussurrada, movimentando-se languidamente e usando roupas microscópicas que salientam suas pernas, seios e derrière. Mas calma, pois não sou falso moralista e jamais diria que não gostei do que vi, muito pelo contrário. O mundo politicamente correto hoje está muito chato e é interessante – até engraçado – ver essa pegada machista e simplista de filmes como esse, cabendo a nós separar o joio do trigo e não fazer mímica de situações sem sopesá-las antes. E Jessica Lange está realmente esplendorosa, no auge de sua forma aos 27 anos, uma idade até bastante tardia para se começar em Hollywood.

Por outro lado, há outros lugares para ir se o objetivo é ver sequências aleatórias com mulheres lindas em trajes diminutos se contorcendo sensualmente e falando bobagem diante de homens babões. O fato é que, na refilmagem de King Kong, esses momentos são constrangedores de tão deslocados e exagerados. São vários minutos gastos com desfiles de roupas com pouco pano, cabelo sempre liso e esvoaçante, coxas à mostra, seios empinados e assim por diante em um sem fim de diálogos absolutamente patéticos que corroem completamente a credibilidade da fita. Não sei o que a Lange de hoje acharia de seu début no cinema, mas tenho para mim que qualquer pessoa que se respeite verá que sua objetificação maciça é tão over, tão absurda, que chega a causar espasmos involuntários de risos, o que, de certa forma, se pensarmos bem, até reduz o impacto do chauvinismo.

A situação não melhora muito quando a expedição finalmente chega à Ilha da Caveira e ela, de shortinho e top mínimos – roupas claramente apropriadas para investigar terra incognita – se junta ao grupo que pela primeira vez colocará os pés no lugar, chegando saltitante à praia paradisíaca e correndo como a ninfeta de A Lagoa Azul em direção à cachoeira mais próxima. Quando ela é finalmente dada em oferenda pelos nativos locais ao gigantesco King Kong, o filme finalmente começa a perder essa característica camp-pornô-light e embarca na história propriamente dita, com apenas um desvio de volta a essa questão, na famosa sequência em que a enorme mão do gorila despe Dwan sensualmente, algo que é, de certa forma, correspondido por ela. Não se enganem, porém, pois isso não é novidade. No filme original, o mesmo acontece com Fay Wray e a cena é uma das mais famosas do Cinema. Mas, como tudo na refilmagem, o roteiro de Semple Jr. e a câmera abelhuda de John Guillermin não deixam nenhum detalhe passar, dilatam o tempo e criam quase que sexo explícito na modalidade “bestialidade”, algo ao mesmo tempo que dá vergonha alheia e provoca risadas histéricas em quem assiste.

No entanto, é este momento quase surreal que marca a virada completa de tom na projeção. O lado camp abre espaço para um drama eficiente com todo o interessante e bem estruturado – ainda que rápido demais – processo de captura de Kong e o começo de sua jornada a Nova York, enclausurado no enorme e vazio tanque no navio petroleiro (o transporte do animal da ilha para lá é convenientemente “pulado” no roteiro, para evitar constrangimentos de ordem prática, porém…). É ali que vemos o animal indefeso, longe de sua terra natal, sofrendo tremendamente, encolhido em um canto. A crítica ambiental presente no filme original ganha contornos mais explícitos em sua refilmagem e consegue comover o espectador, especialmente com a empatia que Dwan passa a sentir pela criatura, valendo até mesmo arriscar sua vida para acalmá-la em momento de fúria.

O grande clímax da obra, em Nova York, toma a menor parte do filme, mas é, sem dúvida, a sequência de momentos mais espetaculares em termos do uso de efeitos visuais práticos. E, aqui, finalmente, abordarei esse “personagem escondido” do filme, que é o trabalho de criação da criatura pelo lendário Carlo Rambaldi (responsável por E.T., Alien e Contatos Imediatos do Terceiro Grau) e pelo revolucionário Rick Baker (Star Wars, Greystoke MIB – Homens de Preto). O primeiro trabalhou em toda a concepção da criatura, permitindo que a produção deixasse de usar o stop motion da obra de 1933 e partisse para o desafio dos animatrônicos, algo que nem mesmo Steven Spielberg, com seu mais do que clássico Tubarão, do ano anterior, havia conseguido dominar. E o segundo abordou o detalhe da feições e movimentações de Kong – boca, olhos, nariz – dando vida e “humanidade” ao símio.

Enquanto Spielberg praticamente substituiu o enorme peixe assassino pela magnífica trilha sonora composta por John Williams, aqui Guillermin não tinha esse luxo. Ele precisava mostrar Kong em toda a sua glória e o trabalho precisava ser mesmo espetacular em todos os sentidos para capturar a imaginação do público da época. O resultado, que combina o design e a engenharia de Rambaldi e sua equipe, a expertise em maquiagem prostética de Baker e a tecnicamente brilhante fotografia de Richard H. Kline (Jornada nas Estrelas: O Filme, No Mundo de 2020 Corpos Ardentes) é um King Kong que assombra, que deslumbra e que, guardadas as devidas proporções, consegue até mesmo passar no inclemente teste do tempo.

Ainda que seja bastante provável que o público atual, acostumado com filmes eminentemente feitos como desenhos animados, entupidos de computação gráfica, vire o nariz coletivo para o Kong da versão de 1976, a grande verdade é que o enorme símio tem vida aqui. Mesmo com todas as limitações técnicas, mesmo com o próprio Rambaldi famosamente desgostando do resultado final, a grande verdade é que o triunfal aparecimento de King Kong da floresta da Ilha da Caveira é um espetáculo visual como poucos. Sim, há momentos que não envelheceram nada bem, como a sequência em que ele luta contra uma cobra gigante (o único outro animal descomunal na ilha) e que os famosos braços animatrônicos que seguram Dwan não sejam mesmo os triunfos técnicos que deveriam ter sido, se olharmos apenas para Kong interagindo com o ambiente ao seu redor, três coisas ficam muito claras: (a) a majestade do trabalho de Rambaldi; (b) o detalhismo das expressões criadas por Baker e (c) a perfeita fusão, por intermédio de sobreposição de imagens e câmeras em perspectiva de Kong com o fundo filmado em locação das duas ilhas onde o vemos, cortesia de Kline.

Reparem, por exemplo, na interação de Kong com o metrô suspenso em Nova York, como realmente parece que estamos vendo uma sequência só, filmada ali mesmo na cidade. Ainda que a escalada das Torres Gêmeas (que substituem – com uma boa construção do roteiro – o clássico Empire State Building) deixe realmente a desejar, o confronto final de Kong com a truculência humana é de quebrar o coração de qualquer um, com uma expressividade melancólica nos olhos do monstro que nada mais queria do que estar em sua terra natal. Os momentos de interação com humanos, porém, são mais fracos, com pouca efetividade, ainda que o foco fique mesmo nesse “amor” estranho que o símio sente por Dwan, personagem que bem aos poucos vai crescendo na fita, tornando-se mais bem construída e trabalhada do que o Prescott de Jeff Bridges que realmente tem muito pouco a fazer.

E, no final das contas, como uma Norma Desmond cercada pelas luzes da fama, Dwan ganha os contornos trágicos que jamais imaginaríamos vendo o primeiro terço do filme, em que ela se assemelha a uma atriz pornô. Um belo final, para um monstruoso – no mau sentido – começo. Realmente, a bela matou a fera.

King Kong (Idem, EUA – 1976)
Direção: John Guillermin
Roteiro: Lorenzo Semple Jr.
Elenco: Jeff Bridges, Jessica Lange, Charles Grodin, John Randolph, Rene Auberjonois, Julius Harris, Jack O’Halloran, Dennis Fimple, Ed Lauter, Jorge Moreno
Duração: 134 min.

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