Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Krishna: O Protetor do Dharma (Recontado do Bagavata Purana)

Crítica | Krishna: O Protetor do Dharma (Recontado do Bagavata Purana)

Uma deidade simpática, brincalhona e justa.

por Luiz Santiago
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Krishna é um dos deuses mais conhecidos do hinduísmo aqui no Ocidente, mesmo por pessoas que não entendem muito do panteão hindu ou, em linhas gerais, da cultura religiosa da Índia. O fato é que algumas deidades ou avatares desses deuses possuem uma aparência bastante peculiar, e para quem um dia teve o nome ligado a uma dessas faces ou corpos tão diferentes, garante uma boa probabilidade de lembrar-se do que viu. No caso de Krishna, que é uma das muitas manifestações de Vishnu (seu oitavo avatar, na verdade), a pele azul, a jovialidade do rosto e a flauta que ele toca são coisas marcantes que fazem desse deus um dos mais fáceis de se lembrar.. Bem, isso e a grande popularidade do Movimento Hare Krishna, do qual muita gente já ouviu falar, porque é citado em situações que vão de canções da MPB a diálogos de telenovelas.

O Protetor do Dharma (Recontado do Bagavata Purana) é uma produção da primeira fase de quadrinhos publicados pela editora indiana Amar Chitra Katha, que ao longo dos anos traria para o público diversas outras edições baseadas em episódios da vida de Krishna. Neste volume de 1969 (às vezes listado como sendo de 1970, o que eu imagino que seja uma contradição em relação à data de publicação e à data de capa), temos a apresentação da história de vida desta personificação do Deus Supremo, desde os eventos antes de seu nascimento até o episódio em que ele vence o cruel rei Kamsa, restituindo o trono ao velho Ugrasena, jogado na prisão pelo próprio filho, que queria usurpar-lhe o trono.

A história de Krishna é uma história de violência, perseverança e esperança. No dia do casamento de seus pais (Devaki, que era irmã de Kamsa, e Vasudeva), o rei recebeu uma profecia dizendo que o oitavo filho daquele casal iria matá-lo. A partir de então, o cruel monarca acompanhou de perto os partos de sua irmã Devaki, matando todos os filhos aos quais ela deu à luz. Quando Krishna nasce, uma série de milagres acontecem e Vasudeva consegue retirar o menino da prisão e levá-lo para ser criado por pessoas confiáveis em outro lugar. Esse contexto histórico de violência na vida do garoto é até comparado à história de Jesus, com a perseguição e o extermínio que o rei Herodes fez aos recém-nascidos. Aliás, o quadrinho mostra um episódio em que Kamsa envia uma mulher para localizar os bebês que vieram ao mundo no mesmo mês em que “o oitavo filho de Devaki nasceu” e matar essas crianças. É uma comparação de tradição religiosa muito interessante, não acham?

A proposta do roteiro de Anant Pai é recontar essas histórias tendo como base o livro Bagavata Purana, uma das principais obras da literatura indiana, trazendo conceitos de cosmologia, mitologia, cultura e muitos outros conhecimentos entre áreas de estudo e áreas de fé, abordando também histórias dos avatares de Vishnu, dentre os quais está Krishna. Por isso é que o texto não dá muito espaço para um desenvolvimento narrativo propriamente dito, limitando-se a contar os fatos como pequenas crônicas ilustradas, algo muito semelhante ao que temos nos quadrinhos que adaptam histórias da Bíblia para crianças.

O meu maior incômodo com esse quadrinho não é nem o tal aspecto de crônica, porque o roteiro faz uma boa interação entre as muitas fases da história. O maior problema está no final, que é absurdamente abrupto, não possui sequer uma reflexão simples à guisa de adequação dramática, indicando ao leitor que as histórias daquela fase da vida de Krishna chegavam ao final, mas que existiam muitas outras ainda para se contar. É uma reticência muito incômoda e que eu também senti na leitura de Zaratustra: O Mensageiro de Deus da Antiga Pérsia, outro quadrinho da Amar Chitra Katha, e isso me faz temer que seja uma recorrência nas produções da casa. Espero que não.

O Protetor do Dharma é uma instigante história de um deus que foi perseguido desde a sua concepção e que teve uma manifestação muito terna, simpática, brincalhona e justa na Terra — destaque para as cenas engraçadas dele comendo manteiga e bebendo leite escondido e para os “feitos impossíveis” que realizou, deixando todos espantados. Krishna é uma presença divina muito bonita. Sua bondade e sua simplicidade são fascinantes e é difícil o leitor não se sentir próximo desse deus como personagem, como personificação, o que nos faz entender a verdadeira intenção dessa manifestação divina na Terra. Ele é um Ser diferente, é verdade, mas interage normalmente entre os humanos e definitivamente deixa a sua marca na vida de todos os que convivem com ele.

Krishna: O Protetor do Dharma (Krishna: The Protector of Dharma) — Índia, 1969 – 1970
Editora original:
Amar Chitra Katha
Roteiro: Anant Pai
Arte: Ram Waeerkar
Editoria: Anant Pai
34 páginas

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