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Crítica | Krull

por Ritter Fan
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Krull é um dos filhotes da febre de “filmes derivados de Star Wars” que foram produzidos ao longo da década de 80, mas essa aventura de fantasia sci-fi medieval que bebe também de um sem-número de fontes clássicas, incluindo Tolkien, e dirigida por Peter Yates, conhecido pelo clássico Bullitt, tem um “algo a mais” que a separa dos demais exemplares de sua era. Sim, o filme continua caminhando perigosamente pela tênue linha do trash e talvez tenha envelhecido mal, mas ele oferece diversão, belos designs, bons efeitos práticos e uma história básica que cativa por seus variados personagens e desafios.

É possível, sem dúvida, que meu julgamento esteja turvado pela nostalgia embutida, mas creio que Krull – nome do planeta onde a ação se passa – seja um mais do que apenas passável representante dos filmes de “busca” ou quest, em inglês, com o protagonista tendo que passar por obstáculos lineares para reunir elementos e materiais necessários para alcançar seu objetivo final, tal qual Perseus em Fúria de Titãs, de dois anos antes. E o paralelo com a mitologia grega, berço da “jornada do herói”, com a Odisseia, não poderia descrever melhor a história de Krull: para salvar a princesa Lyssa (Lysette Anthony) das garras da Besta (voz não creditada de Trevor Martin), ser horrendo que vive em um castelo voador que se teletransporta toda a manhã para lugares diferentes do planeta, o valente príncipe Colwyn (Ken Marshall) tem que localizar a mítica arma conhecida como Glaive (não confundir com o gládio, uma espada, pois essa aqui é um shuriken particularmente grande e enfeitado, digamos assim…) e achar um idoso mago que pode prever o futuro. Em meio à jornada, como é de praxe, ele faz amigos improváveis como o estabanado mágico Ergo, “o Magnífico” (David Battley), a gangue de nove bandidos de estrada liderada por Torquil (Alun Armstrong) e que conta com ilustres pontas de Liam Neeson (Kegan) e Robbie Coltrane (o Hagrid da franquia Harry Potter como Rhun, mas com voz dublada por Michael Elphick) ainda em começo de suas carreiras e, claro, um Cíclope fortíssimo (o sensacional Bernard Bresslaw da série Carry On, completamente irreconhecível).

O roteiro de Stanford Sherman, de currículo irrelevante, é, como se poderia esperar, uma sucessão de clichês dos vários gêneros cinematográficos e literários que ele enxerta na narrativa de seu mash-up. De personagens rasos como um pires que são identificáveis apenas por adjetivos como “valente”, “covarde”, “irresponsável” e assim por diante, passando por situações feijão com arroz do tipo “emboscada”, “areia movediça”, “teia de aranha”, “caverna misteriosa”, “sacrifício heroico” e outras, culminando com a literal e absolutamente risível “força do amor” para vencer o grande vilão (que nunca efetivamente aparece fisicamente, não sendo mais do que um borrão), Sherman cria um filme absolutamente episódico, que muito bem poderia ser visto com cada sequência de ação fora de ordem sem que o espectador perdesse o fio da meada.

A própria direção de Yates nem tenta esconder esse problema e mantém rigorosamente a estrutura imposta pelo texto de Sherman sem dar a necessária fluência à narrativa. Nâo é, nem de longe, um trabalho incompetente ou desagradável, mas não é, também, particularmente especial. O que realmente ajuda é o design de produção de Stephen B. Grimes e a direção de arte de Tony Curtis, Norman Dorme, Colin Grimes e Tony Reading, que entregam um trabalho que, se não é exatamente original, mostra grande esforço e muito variedade de cenários, além de um excelente grau de detalhes, sejam nos sets, sejam nos figurinos, seja na concepção e execução de criaturas. Começando pelos soldados da Besta, que, ao morrerem, liberam uma “gosma” da cabeça que fogem para o subsolo (ou algo do gênero), passando por toda a belíssima sequência da “aranha de vidro” (cortesia de Steve Archer, que trabalhara no stop motion de Ray Harryhausen em Fúria de Titãs, tendo claramente aprendido com o mestre supremo da técnica) e culminando com um trabalho de maquiagem incrível para dar vida ao cíclope de Bresslaw, vemos, diante de nossos olhos, muita imaginação e todos os dólares do nada dispensável orçamento de 47 milhões de dólares.

Os efeitos de câmera, apesar de terem envelhecido mal, também merecem comenda, com a fotografia de Peter Suschitzky (de nada menos do que O Império Contra-Ataca e que, a partir de 1998, faria parceria com diversas e maravilhosas esquisitices de David Cronenberg) mesclando com muita eficiência planos gerais com pinturas matte e maquetes práticas como a da “torre negra” onde mora a Besta, além de estabelecer tomadas heroicas com planos médios evocativos de clássicos de “capa e espada” de outrora. Aliás, nesse mesmo diapasão é que entra o trabalho de James Horner na trilha sonora, com composições que parecem saídas diretamente de As Aventuras de Robin Hood, e Ivanhoé, o Vingador do Rei e que de certa forma ele mesmo imprimira no ano anterior em Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan.

Krull é uma amálgama do que estava “na moda” na época e que acaba resultando em um filme disperso e episódico, mas estranhamente cativante. Não é nem de longe ruim o suficiente para ser o famoso “tão ruim que é bom”, pois há valores de produção incomuns e orçamento polpudo para trasheiras declaradas que merecem essa classificação, como é o caso de O Príncipe Guerreiro, por exemplo. É, diria, um fruto de seu tempo que ainda tem vida mesmo hoje em dia como uma gostosa e descompromissada Sessão da Tarde de aventuras em uma terra estranha, com criaturas esquisitas, armas mágicas e muita valentia à moda antiga.

Krull (Idem, EUA/Reino Unido – 1983)
Direção: Peter Yates
Roteiro: Stanford Sherman
Elenco: Ken Marshall, Lysette Anthony, Freddie Jones, Francesca Annis, Alun Armstrong, David Battley, Bernard Bresslaw, Liam Neeson, John Welsh, Graham McGrath, Tony Church, Bernard Archard, Belinda Mayne
Duração: 116 min.

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