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Crítica | Kubrick por Kubrick

por Ritter Fan
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Stanley Kubrick detestava dar entrevistas. Aliás, ele detestava atenção em geral, preferindo permanecer razoavelmente recluso em sua mansão na Inglaterra, de onde cuidou da pré e pós-produção de muitos de seus longas. Essa característica do cineasta é deixada logo em evidência pelo próprio mestre nos primeiros segundos de projeção de Kubrick por Kubrick, do francês Gregory Monro, que se especializou em documentários sobre celebridades variadas dentre elas Calamity Jane e Jerry Lewis. E isso de certa forma explica o porquê de a obra não só ser curta como também contar com relativamente poucos minutos de Kubrick falando de sua carreira.

A voz do cineasta que ouvimos no longa é a oriunda das entrevistas de Michel Ciment, grande crítico francês e editor da revista Positif, como parte de seu projeto que culminaria no livro Conversas com Kubrick, que ele publicou originalmente em 1980, atualizando-o diversas vezes. Se já no livro a “voz” de Kubrick vem em doses homeopáticas, com Ciment fazendo um excelente e astuto trabalho de garimpo cinematográfico para contextualizar cada obra do diretor, desde seus primórdios como fotógrafo, com a obra final ganhando robustez justamente por isso, no documentário Monro perde a chance de fazer algo semelhante, talvez por receio de repetir o documentário biográfico Stanley Kubrick: A Life in Pictures, de Jan Harlan.

O resultado é que o trabalho de Monro é um resumo apertado e não-linear do livro de Ciment, não conseguindo, com isso, firmar-se de verdade como um mergulho profundo na mente brilhante de Kubrick ou como um trabalho objetivando narrar a vida do cineasta com comentários dele mesmo sobre algumas de suas obras. Apesar de não carregar no didatismo que torna A Life in Pictures pesado e cansativo, Kubrick por Kubrick fica em um meio termo, não sendo exatamente para quem não conhece Kubrick, mas também não acrescentando muito a quem já conhece alguma coisa a não ser, talvez, o som de sua própria voz.

A não-linearidade poderia ter sido um recurso interessante, mas Monro não obedece lógica alguma e pula de filme a filme na medida das gravações que tem à disposição que são “recheadas” por entrevistas com Ciment e com astros de seus filmes em material de época (é sensacional, por exemplo, constatar que Tom Cruise de fato é um vampiro ou algum outro tipo de imortal e que Vincent D’Onofrio um dia teve uma cabeleira enorme), mas nada muito profundo ou particularmente esclarecedor. Como ponto de convergência e de transição, o diretor usa uma maquete do icônico “quarto branco” de 2001 – Uma Odisseia no Espaço que ele vai, a cada corte – ou retorno – acrescentando de mini-props dos filmes abordados em uma tentativa simpática de fazer algo diferente, mas que, lá no fundo, não funciona muito bem.

Claro que há momentos valiosos. Em geral, fica muito claro que Kubrick realmente não gostava de muito papo, de jogar conversa fora. Suas respostas às indagações de Ciment são curtas e objetivas, sem grandes elaborações e que se resumem a algo que ele mesmo muito bem diz logo no início e que eu parafraseio: as pessoas têm a tendência de achar que precisam responder perguntas de maneira inteligente ou surpreendente, mas eu não penso assim. E ele está certo. Espera-se de gênios como ele respostas geniais a tudo, mas, como muitos gênios, ele era só alguém particularmente bom naquilo que fazia e não queria saber do que gravitava ao redor, muito menos ter seus 15 minutos de fama perante as câmeras.

Outro ponto interessante é como ele trata a enorme quantidade de tomadas que ele fazia de cada cena, algo que contribui para sua mítica de perfeccionista. Para ele, é algo óbvio, que precisava ser feito e ponto final e não algo que exigisse muitas elucubrações. As entrevistas com os atores e técnicos sobre o assunto reiteram como era difícil seguir o “método kubrickiano”, mas sempre reverenciando o mestre, por vezes com anedotas do tipo “depois de mais de 100 tomadas, ele foi lá e escolheu a segunda!”, algo que eu não duvido nada que tenha acontecido diversas vezes, para a fúria total de todos os envolvidos…

Kubrick por Kubrick é interessante, sem dúvida, mas não oferece o que poderia oferecer com o material que tinha em mãos. Pelo menos não é Kubrick for dummies como o interminável longa de Harlan, ainda que seja infinitamente melhor ler o livro de Ciment.

Kubrick por Kubrick (Kubrick by Kubrick – França, 2020)
Direção: Gregory Monro
Roteiro: Gregory Monro
Com: Stanley Kubrick, Michel Ciment, Malcolm McDowell, Jack Nicholson, Shelley Duvall, Sterling Hayden, Arthur C. Clarke, Marisa Berenson, R. Lee Ermey, Vincent D’Onofrio, Peter Sellers, Garrett Brown, Ken Adam, Leonard Rosenman, Tom Cruise
Duração: 73 min.

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