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Crítica | La Sonate à Kreutzer + Véronique et Son Cancre

Os anos de aprendizado de Éric Rohmer.

por Fernando JG
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Este compilado traz as críticas para dois curtas de início de carreira do diretor francês Éric Rohmer: La Sonate à Kreutzer, originalmente lançado em 1957 e Véronique et Son Cancre, originalmente lançado em 1958. Boa leitura e não esqueça de deixar o seu comentário ao fim da postagem!
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La Sonate à Kreutzer

Entre os realizadores da Nouvelle Vague, Éric Rohmer nunca fora o mais vanguardista deles e o mais próximo que chegou da intransigência da forma do filme encontra-se em A Sonata a Kreutzer (adaptação da novela de Tolstói). Quase simultaneamente, enquanto Jean-Luc Godard já fazia da forma algo próprio do seu estilo, Rohmer ainda experimentava as novas tendências da arte cinematográfica. Este cineasta, o mais querido cronista de todos os tempos, faz da sua primeira fase um campo de experimentalismo – e então, depois disso, encontra definitivamente a sua marca a partir dos seus Seis Contos Morais (Six Contes Moraux, 1963-1972), mais especificamente quando estreia no cinema colorido com A Colecionadora num enquadramento realista propondo polidez e simplicidade. 

Este média-metragem se dá quase como uma “brincadeira séria”, reunindo grandes nomes da Nova Onda. Rohmer chamou seus amigos mais próximos: Godard, para produzi-lo, e mais André Bazin, Jacques Rivette, Truffaut e Claude Chabrol para filmarem e atuarem com ele. Rohmer faz o papel principal de um rapaz brilhante que deixa de seguir com a sua carreira de sucesso para se dedicar ao amor. Casa-se, mas logo traços de infidelidade da parte de sua amada começam a surgir. Ela o trai porque não o ama e nem ele a ela, mas ainda assim obedecem às convenções sociais. Ele a mata, como descobrimos nos primeiros segundos da rodagem porque algo muito maior do que o ciúme se apodera dele: o ódio. As ações são lineares e temos poucas dificuldades na compreensão do enredo. As falas do marido evidenciam que, de fato, talvez ele não a ame de maneira genuína, isto é, do modo como verdadeiramente se ama alguém. Este marido vai caindo cada vez mais num lugar de desprezo, gerando ódio e ciúme a ponto de destruí-los, a ambos da relação.

Opta por uma narração em off sobre imagens em que temos apenas a perspectiva de um narrador ultra amargurado proferindo um monólogo cansativo sobre as relações amorosas, sobretudo a sua. A técnica a que me refiro estava em voga na França da década de 60-70 e é o que dá o tom ensaístico de alguns filmes desta época, acima de tudo das produções dos cineastas que já citei anteriormente – lembre-se de A Chinesa. E aposto, pelo menos como hipótese, que este modelo utilizado na película fora proposto por Godard, afinal, além de produtor, muitos de seus filmes se valem deste método, mas quase nenhum outro filme de Rohmer mantém a utilização de uma narração em off sobre imagens. Certamente, este não é o estilo de Rohmer e nota-se de longe um “desajuste” entre as imagens e as falas, enchendo a tela de monotonia. Como disse, aqui estamos ainda à procura de uma forma e, como se sabe, nenhum experimentalismo é estável. 

Ainda, apresenta alguns espaços interessantes dentro da Cahiers du Cinéma, o famoso QG da panelinha parisiense, filmando brevemente alguns nomes relevantes como Bazin num canto da tela, Truffaut entre outros. É enfim a semente promissora e prototípica que começa a germinar, de modo que estamos diante de assuntos narrativos tipicamente rohmerianos: encontros furtivos, relações humanas e uma característica firme de naturalidade e clareza na condução diretiva. Claro que La Sonate à Kreutzer não é genial mas é o ponto de partida que separa este primeiro Rohmer, ainda instável, da sua fase definitiva. 

La Sonate à Kreutzer (1957, França)
Direção: Éric Rohmer
Roteiro: Éric Rohmer (baseado na novela de nome homônimo de Leon Tolstói)
Elenco: Éric Rohmer, Françoise Martinelli, Jean-Claude Brialy, Jean-Luc Godard, André Bazin, François Truffaut, Claude Chabrol.
Duração: 43 min. 

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Véronique et Son Cancre

Contudo, todavia, entretanto, se em La Sonate à Kreutzer temos uma semente de um modelo prototípico, em Véronique et Son Cancre está a gênese mais essencial do cinema rohmeriano; quero dizer, o encontro do artista com o seu método. Não lhe soa familiar o embate entre dois sujeitos (a princípio não importa quem sejam) que trocam experiências, positivas ou negativas, num embate dialético que induz sempre a formação de um par antitético na mise-en-scène? Ora, claramente nos soa familiar porque este senhor busca sempre dirigir pares, afinal, é no confronto entre os personagens que ele constrói todo o sentido da sua narrativa. Em Véronique et Son Cancre – cancre é uma denominação para um aluno indisciplinado e preguiçoso -, tudo o que temos na organização cênica é uma mesa de centro, um aluno e uma tutora contratada pela mãe do garoto para lhe ensinar e disciplinar. 

O curta-metragem fora produzido por Claude Chabrol no espaço de seu apartamento, e tem os toques refinados da comédia rohmeriana, encontrada na sutileza das falas de um aluno espirituoso que oferece respostas óbvias para perguntas óbvias, mas, como se sabe, é sempre esperado que o estudante desenvolva por meios não óbvios às perguntas mais esclerosadas possíveis. De certo modo, é tudo apenas um falseamento, ela finge que trabalha e ele, que aprende, tanto é que a engana ao final quando diz que sua mãe orientou que fosse embora depois de 50 minutos. Ela levanta-se aliviada, mesmo tendo ouvido da boca da mãe que não acreditasse nas palavras do menino, e ele pega a bola para voltar a brincar. O corte é brusco e evidencia que tudo não passa de um fingimento social. 

O cineasta esconde em suas camadas e subcamadas textuais as suas verdadeiras intenções. É como havia dito: é no encontro entre os sujeitos que Rohmer retira a sua verdade, que é indiscutivelmente uma leitura muito apurada da realidade social. É através destas conversas que o realizador expõe os problemas do mundo exterior. O que o encontro entre as pessoas e suas relações têm a dizer sobre nós? Talvez seja esta a pergunta mais essencial deste curta-metragem e que, ora, atravessa brutalmente a sua filmografia. Ainda, o estilo de Véronique et Son Cancre é contido, verossímil, humilde e tem um toque de elegância, esta última característica se dá no enfoque dos pés da mademoiselle quando tenta retirar os seus sapatos de salto-alto. É um ótimo curta-metragem e como está amparado e conduzidos pelos melhores teóricos da história do cinema, não tem falhas na forma e adequa perfeitamente o enredo à estrutura de um curta. 

Véronique et Son Cancre  (1958, França)
Direção: Éric Rohmer
Roteiro: Éric Rohmer
Elenco: Nicole Berger, Stella Dassas, Alain Delrieu
Duração: 19 min. 

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