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Crítica | Laços Humanos

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Elia Kazan, que foi Elias Kazantzoglou antes de iniciar sua carreira artística nos Estados Unidos, nasceu em Istambul, capital do então Império Otomano, no ano de 1909. Sua família emigrou para a América quando ele ainda era criança, e foi no “Novo Mundo” que o jovem filho de pais gregos optou pela carreira de ator, passando pela Yale University School of Drama e tornando-se, além de ator, também diretor de teatro. Sua carreira no cinema iniciou-se em 1934, num curta-metragem dirigido por Ralph Steiner. Ele ainda atuaria em outro filme do diretor em 1935, e trabalharia uma vez com Charles Vidor e duas vezes com Anatole Litvak, antes de dirigir o seu primeiro filme, o curta The People of the Cumberland (1937). Em 1945, aos 36 anos, Elia Kazan dirigiu o seu primeiro longa-metragem, Laços Humanos.

Baseado no romance de Betty Smith, Laços Humanos é a crônica de uma família pobre do Brooklin, a quem acompanhamos pelo período de um ano (ou um pouco mais, um pouco menos que isso). Kazan transferiu parte de sua experiência da infância para o filme, dando ao roteiro uma atmosfera bastante emotiva e que destaca a vida dos descendentes de imigrantes, os relacionamentos entre vizinhos e comerciantes locais, os pequenos casos familiares e brigas eventuais entre irmãos, pais e amigos da redondeza.

Embora o diretor ainda fosse trazer para a grande tela a sua experiência pessoal como imigrante em Terra do Sonho Distante (1963), já é possível observar esse traço dramático em Laços Humanos, um elemento que, visto apenas pelo foco familiar e de relacionamentos duradouros entre as pessoas, se espalharia por toda sua filmografia.

Tomando lições de Frank Capra na criação de um padrão americano familiar e aplicando isso de forma muitíssimo eficiente em seu filme, Elia Kazan debuta com precisão técnica na direção e interessante condução de uma história que podemos ler de várias formas, seja na exploração dos laços humanos – como explicita o título brasileiro –, seja na promessa poética e simbólica que nos expõe o título original. A essa época de sua vida, o cineasta tinha uma visão política à esquerda socialista, um fator que o influenciou fortemente na exploração das condições financeiras da família protagonista, no modo como a classe social aparece cristalizada e, apesar da promessa, com possibilidades praticamente nulas de ascensão social.

Mas esse aspecto não encontra ares de denúncia documental no filme. Ele está lá como um fato e é explorado através de vários comportamentos – o do pai alcoólatra mas extremamente amoroso, o da mãe sempre ocupada e preocupada, o da tia com má reputação – vistos pelos irmãos Francie (Peggy Ann Garner) e Neeley (Ted Donaldson), ambos em ótima atuação. A relação ente os dois é o fio condutor da história, que mostra, além da vida em meio à privação e a felicidade sonhadora da adolescência, o amadurecimento precoce e a percepção clara e aliviada da nova vida que se lhes apresenta ao final da fita, momento coroado pelo inesquecível diálogo entre eles no telhado do prédio.

Abordando o lado questionável e elogiável dos adultos e entrelaçando-os com a visão de dois adolescentes, Elia Kazan faz de Laços Humanos uma crônica familiar emotiva, realista e pontualmente lírica. Seu uso correto da trilha sonora, planos um pouco estendidos e montagem sem nenhum sinal de pressa dão ao espectador a sensação de ver o filme como atos do presente, não a ponto de parecerem em “tempo real”, porém, mais afastados do tempo diegético que normalmente conhecemos, um mérito cujo exemplo vinha dos clássicos de Frank Capra, nos quais Kazan tinha grande interesse temático. Laços Humanos foi o primeiro passo do diretor no exercício de uma carreira sólida, louvável e polêmica no cinema.

Laços Humanos (A Tree Grows in Brooklyn) – EUA, 1945
Direção:
Elia Kazan
Roteiro: Tess Slesinger, Frank Davis (baseado na obra de Betty Smith)
Contribuição na escrita dos diálogos: Anita Loos (não creditada)
Elenco: Dorothy McGuire, Joan Blondell, James Dunn, Lloyd Nolan, James Gleason, Ted Donaldson, Peggy Ann Garner, Ruth Nelson, John Alexander, B.S. Pully
Duração: 129 min.

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