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Crítica | Lady Macbeth

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

Baseado no livro Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, de Nikolai Leskov, o qual, por sua vez, é inspirado pela famosa personagem de William ShakespeareLady Macbeth, mesmo se passando na segunda metade do século XIX, dialoga plenamente com as questões sociais da atualidade. Em essência temos a história de uma mulher que, acima de tudo, visa a própria sobrevivência, com o roteiro explorando questões como a objetificação do feminino e, claro, tecendo críticas ao patriarcado, tão perfeitamente retratado não apenas pelos personagens masculinos, como, também, por todas as mulheres que envolvem a protagonista, claramente à frente de seu tempo.

A trama tem início com a chegada de Katherine (Florence Pugh) na casa de seu novo marido e sogro. Recebida com um tratamento frio, que é acompanhado pela ausência de interesse sexual de seu esposo, a jovem se vê isolada naquele lugar, sendo constantemente vigiada por uma das servas da casa, Agnes (Golda Rosheuvel). Sendo forçada a repetir a mesma rotina dia após dia, a protagonista utiliza como válvula de escape seu crescente romance com Sebastian (Cosmo Jarvis), um dos empregados da casa. Apaixonando-se por ele, resta a ela arranjar uma forma de se livrar daqueles que visam controlar sua vida.

Em uma era de tramas exageradamente complicadas, incontáveis universos compartilhados e, claro, o insuportável preenchimento do ano com filmes de heróis, Lady Macbeth aparece como um sopro de vida para o cinema, nos entregando uma história simples, alavancada pela construção de sua protagonista. O que verdadeiramente nos impressiona no filme é a sua preocupação com o realismo, esse que apenas torna tudo mais angustiante, visto as barbaridades cometidas por todos os personagens, muitas das quais faziam parte dos costumes da época.

Aproveitando-se justamente disso, o roteiro de Alice Birch cria, no espectador, a dúvida se devemos ou não torcer por Katherine, cujas ações vão se tornando cada vez mais sombrias, enquanto que sua própria personalidade é moldada – de garota inocente ela passa para o retrato da frieza. Evidente que essa transformação é justificada pelo o que a personagem passa ao longo da trama, fazendo dela uma verdadeira vítima das circunstâncias e do tratamento deplorável daqueles à sua volta. Fica fácil, portanto, entender as ações da protagonista, que é movida, acima de tudo, por um forte sentimento de sobrevivência, literal e metaforicamente falando – afinal, viver para a submissão não é viver de verdade.

Impressiona-nos como William Oldroyd, que tem esse como seu primeiro longa-metragem, consegue transpor, com maestria, todas essas questões para a tela. Fazendo constante uso da perfeita simetria, que muito bem simboliza a vida extremamente regrada de Katherine antes de sua auto-libertação, o diretor faz de seus enquadramentos um personagem vivo. Optando quase sempre por planos estáticos ele transpõe perfeitamente a monotonia daquele lugar, enquanto que faz de cada cena um verdadeiro retrato a ser contemplado. É interessante observar como Oldroyd, ocasionalmente, quebra essa simetria, de forma nítida, representando, dessa forma, as atitudes transgressoras da protagonista.

Outro ponto a ser observado é como a personagem sempre se destaca do ambiente a seu redor, ora pelas cores mais vivas de seu vestido, ora pelos cabelos soltos ao vento, tornando bastante nítido o quanto ela não se sente à vontade ali. Claro que grande parte do mérito vai para Florence Pugh, que, apesar de ainda estar iniciando sua carreira, impressiona pela pluralidade de sua interpretação, que transita fluidamente entre a posição de vítima para o retrato do calculismo. Pugh claramente conduz o espectador por toda a narrativa, nos cativando e, em momento algum, permitindo que nossa imersão seja perdida.

Dessa forma, não há como, nos créditos finais, simplesmente deixar para trás o que acabamos de assistir. Lady Macbeth é uma obra que nos envolve e fascina, com William Oldroyd iniciando sua carreira de diretor de maneira promissora. Com uma potente atuação de Florence Pugh, emblemática direção e roteiro visceral, o filme prova ser um retrato angustiante de outrora e que, assustadoramente, dialoga perfeitamente com as questões da atualidade, envolvendo não somente a mulher, como a família como um todo.

Lady Macbeth — Reino Unido, 2016
Direção:
 William Oldroyd
Roteiro: Alice Birch (baseado no livro de Nikolai Leskov)
Elenco: Florence Pugh, Cosmo Jarvis, Paul Hilton, Naomi Ackie, Christopher Fairbank, Golda Rosheuvel, Anton Palmer, Rebecca Manley
Duração: 89 min.

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