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Crítica | Lady Snowblood: Uma Canção de Amor e Vingança

por Ritter Fan
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Apesar de produzido com enorme velocidade para lançamento no ano posterior ao bem-sucedido primeiro filme e contar com o mesmo diretor, roteirista (acrescentado de mais um) e, claro, a essencial atriz principal, Lady Snowblood: Uma Canção de Amor e Vingança é um filme fundamentalmente diferente do original. Ainda há uma trama de vingança, claro, mas ela é exterior à Yuki Kashima (Meiko Kaji), ou seja não continua artificialmente a trama encerrada em 1973, além de haver um forte tom de crítica sócio-política, o que permite expansão de horizontes e uma inversão da lógica narrativa.

Essa inversão vem da estrutura do clássico Lady Snowblood: Vingança na Neve que, mesmo com narrativa não-linear, conta uma história em que as motivações da protagonista são conhecidas logo de início, sem maiores enrolações ou construções, ficando imediatamente claro de que se tratava da missão de vingança de Yuki pela morte de seus pais e irmãos, algo pessoal e facilmente identificável. Na continuação, que começa mais de 10 anos depois do fim do longa anterior, após o encerramento da Guerra Russo-Japonesa, vemos um epílogo da vida de assassina da protagonista depois de dois excelentes combates, um deles filmado em um soberbo plano-sequência alongado e sem cortes enquanto ela desce por uma estrada depois de visitar o túmulo da mãe, sendo atacada por policiais, em que ela finalmente se entrega às autoridades, é julgada e condenada à morte.

O que segue daí, ou seja, seu resgate no último dia pelas forças do chefe da Polícia Secreta, o sinistro e excêntrico Seishiro Kikui (Shin Kishida) que vive em um castelo digno de vilão de 007, sua infiltração no lar do anarquista Ransui Tokunaga (Juzo Itami) para espioná-lo e conseguir um documento vital para o governo, sua traição de Kikui e início de uma amizade com Ransui e assim por diante vai, lentamente, construindo pontes narrativas um tanto quanto caóticas e desorganizadas, diria, para que uma outra situação tendente ao morticínio perpetrado pela espada escondida em um guarda-chuva de Lady Snowblood sejam possível. Assim como Quentin Tarantino faz de um Kill Bill para o outro – certamente outro elemento proposital que o cineasta americano apropriou de sua inspiração-mor – há uma subversão de expectativas no trabalho de Toshiya Fujita que, em primeiro lugar, mostra-se interessado em lidar com críticas ao ultranacionalismo e ao imperialismo japonês, com os meandros da política interna para emudecer vozes dissonantes e assim por diante, muito claramente usando Yuki como um veículo dessa narrativa e não exatamente seu fim.

Por outro lado, apesar de todo o enfoque sociopolítico central à história, Fujita não se furta dos exageros sanguinolentos que marcaram seu longa original, ainda que ele tenha menos oportunidades orgânicas de usá-los. Para compensar, ele trabalha vilões visualmente assustadores como o já mencionado Kikui, com o ator sendo literalmente transformado em um espectro pela pesada maquiagem branca que usa, além do absurdamente extravagante interior de seu castelo, com paredes vermelhas e uma decoração de interiores pomposa como um bordel de luxo. É como se o diretor procurasse aproximar mais seu segundo longa da linguagem de quadrinhos do mangá original de Kazuo Koike e Kazuo Kamimura, sem se preocupar, portanto, com verossimilhança ou mesmo com rimas visuais em relação ao seu primeiro longa da vingativa e linda jovem.

A queima lenta da construção narrativa, porém, cobra seu preço e o filme acaba ganhando uma estrutura que, pelo menos até sua metade, não sabe muito bem para onde vai, quase como se ele tivesse sido filmado sem o roteiro estar pronto. Há uma tentativa de abordagem romântica entre Yuki e Ransui, depois um possível e distante triângulo amoroso quando Shusuke Tokunaga (Yoshio Harada), irmão de Ransui, é introduzido, além de uma história pregressa que lida com a separação dos irmãos, como histórias paralelas sem efetiva e real importância para o desenrolar da narrativa principal. Mas, pelo menos, Fujita experimenta e, nesse sua laboriosa direção, encontra oportunidades de enquadramentos belíssimos como a sequência em que Ransui conversa com Yuki em um cemitério de animais em que seus amigos, taxados de traidores, estão enterrados, ou quando um quase-plongê é usado em uma sequência de escadaria íngreme que revela a presença de Shusuke e, depois, Lady Snowblood no topo.

Lady Snowblood: Uma Canção de Amor e Vingança é um tanto quanto caótico, um tanto quanto apressado, mas também, curiosamente, um tanto quanto lento. Mas o longa é sempre curioso e visualmente deslumbrante, contando com uma ótima camada política que abre espaço à caricatura vilanesca e também para que Meiko Kaji consiga mostrar sua latitude dramática ao viver uma versão mais velha e madura de sua clássica e mortal personagem. Teria sido sensacional se Fujita e Kaiji tivessem tido a oportunidade de voltar a esse universo outras vezes!

Lady Snowblood: Uma Canção de Amor e Vingança (Shurayukihime: Urami Koiuta – Japão, 1974)
Direção: Toshiya Fujita
Roteiro: Kiyohide Ohara, Norio Osada (baseado em história de Kazuo Kamimura e Kazuo Koike)
Elenco: Meiko Kaji, Juzo Itami, Kazuko Yoshiyuki, Yoshio Harada, Shin Kishida, Toru Abe
Duração: 89 min.

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