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Crítica | Lancelot do Lago

Austeridade arturiana.

por Kevin Rick
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Lancelot do Lago é o filme que menos se enquadra no que esperaríamos de uma obra de Robert Bresson. Baseado em lendas arturianas e romances medievais, especialmente no ciclo Lancelot-Graal, o longa-metragem de 1974 é uma interpretação da história de amor entre Lancelot e Guinevere enquanto Camelot e a Távola Redonda se desintegram. Um mito arturiano de drama de fantasia épico e heroico não é realmente o tipo de linguagem aguardada para o estilo de direção ascético, minimalista e cadenciado do cineasta francês.

E, ainda assim, cá estamos. Bresson não muda nenhum um pouco sua abordagem cinematográfica, transformando o espetáculo mítico em reflexão humana severa e pessimista. A premissa acompanha o personagem titular, Sir Lancelot (Luc Simon), assombrado por não ter encontrado o Santo Graal, retornando ao encontro do Rei Arthur para declarar sua derrota. Ao longo da história, Lancelot se apaixona pela rainha Guinevere (Laura Duke Condominas), e vemos seus votos religiosos e honra serem debatidos.

A proposta de Bresson é extremamente clara desde o início da obra, quando vemos soldados sendo mortos com golpes secos e feios, de maneira até vulgar, com sangue escorrendo e uma câmera estática meditando a morte do campo de batalha e enfatizando a sujeira dos ambientes desolados. Os cavaleiros de Arthur são homens invejosos e gananciosos que começam a obra com um fracasso; retratados com ressentimento e decepção em todo o filme. É uma leitura arturiana mais próxima da realidade da Idade Média do que do fantástico, sentida nos diálogos carregados de amargura, a cordialidade fria e a sensação de derrota que atravessa a raiva desses homens.

O tratamento esperado da grandeza medieval é completamente inexistente, transformando a experiência em uma subversão do gênero extremamente intrigante – me peguei rindo ao pensar na quantidade de pessoas que assistiram essa obra esperando algo como Os Cavaleiros da Távola Redonda (1953) ou Excalibur (1981)A ação é totalmente anticlimática, conforme Bresson prefere filmar o movimento das pernas dos cavalos do que o embate de lanças ou então como a costumeira trilha sonora épica é substituída pelo ranger de armaduras e o som ambiente das cavalgadas. A elipse também está em funcionamento total, com várias cenas grandiosas se resolvendo fora de cena, dando prioridade para o antes e o depois do combate, ou então para as reações daqueles no entorno. E até mesmo o romantismo não contém emoção com as performances de atores amadores que falam objetivamente e sem nuances, reproduzindo um amor frívolo e friamente cavalheiresco.

Parece frustrante, né? Mas a ideia é bem essa. A completa desvinculação do espetáculo narrativo na versão nada glamorosa das lendas arturianas. E o fascínio está justamente em como Bresson abre o espaço para uma leitura austera e tátil desse universo fantasioso, visto agora com um extremismo realista. Há um cuidado singular do design de produção, provavelmente o mais lindo da filmografia de Bresson, dispondo de florestas deslumbrantes, campos de batalha assombrados e locações medievais elegantes, mas todos acompanhados por um sensação de vazio e silêncio melancólico. O Graal é um símbolo de fracasso e não de aventura, e acompanhamos esses indivíduos em dilemas morais de redenção, arrependimento e existencialismo. O amor de Lancelot e Guinevere carrega culpa; a fidelidade de Gauvain é dividida entre seu rei e seu herói; e Arthur é uma figura desinteressante e tediosa.

No entanto, apesar de adorar a proposta e comprar a experiência, Lancelot do Lago termina por ser um dos filmes mais monótonos de Bresson, de modo negativo. Acontece que a linguagem da obra se esvai com facilidade após o terço inicial, com o diretor francês sofrendo para oferecer desenvolvimento dramático e trabalhar envolvimento atmosférico. A estrutura narrativa é uma concentração de repetitividade da proposta que vai cansando o espectador, conforme vemos os mesmos tipos de situações subversivas do gênero sem um delineamento, seja filosófico, catártico ou moral. Se um filme só almeja ser uma leitura oposta da lenda arturiana, fica difícil extrair substância para além disso. O fato de que o texto de Bresson, aqui, é um dos mais pesados em diálogos, me lembrando um pouco As Damas do Bois de Boulogne e Anjos do Pecado, tira o espaço do típico significado imagético de Bresson para nos dar uma dieta de conversações simplórias e genéricas.

Lancelot do Lago é despojado de qualquer heroísmo. Bresson pegou o mito arturiano e o transformou em uma tragédia anunciada propositalmente sem grandiosidade. Ele trabalha a fantasia com seu conhecido pessimismo analítico da condição humana. É um dos filmes mais subversivos do cineasta, especialmente para quem não tinha contato prévio com seu trabalho, nos oferecendo uma visão singular do épico das lendas arturianas. Faltou o costumeiro cuidado com a imagem e simbologia do cineasta, em uma de suas obras tematicamente mais vazias. Mas, mesmo com ressalvas, Lancelot do Lago consegue ser fascinante da sua própria maneira. Desprovido de ação e aventura, temos o mito britânico austero.

Lancelot do Lago (Lancelot du Lac) – França, Itália, 1974
Direção: Robert Bresson
Roteiro: Robert Bresson
Elenco: Luc Simon, Laura Duke Condominas, Humbert Balsan, Vladimir Antolek-Oresek, Patrick Bernhard
Duração: 85 min.

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