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Crítica | Lanternas Vermelhas

por Rodrigo Pereira
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SPOILERS!

Depois que resolvi escrever sobre a filmografia de Zhang Yimou, já tive contato com algumas obras maravilhosas como O Clã das Adagas Voadoras,  Amor e Sedução e O Sorgo Vermelho. No entanto, continuava a considerar Herói, talvez seu filme mais conhecido e que vi há bastante tempo atrás, seu melhor trabalho. Lanternas Vermelhas veio sem grandes cerimônias e tomou esse posto para si.

Vencedor de três prêmios no Festival Internacional de Veneza e indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, a película de Yimou gira em torno de Songlian (Gong Li), uma jovem estudante de 19 anos que, após o falecimento de seu pai e a impossibilidade da família bancar seus estudos, acaba se casando com um homem rico referido apenas como “Senhor”. O homem, interpretado por Ma Jingwu, já possui outras três esposas, sendo a primeira a mais velha e tratada como matriarca e Songlian, a quarta, a mais nova. A família mora em uma enorme construção que lembra um castelo, onde cada mulher tem sua própria casa. Sempre que o Senhor escolhe a mulher que passará a noite, lanternas vermelhas são penduradas em frente a entrada do local e a escolhida decide o cardápio do dia seguinte, criando um ciclo de rivalidade entre as esposas.

Ao referir-me à relação do homem com as mulheres, utilizei a palavra “possui”, como se aquelas pessoas fossem meros objetos para serem possuídos por alguém. A colocação isolada é, sim, machista, mas a fiz propositalmente porque essa é justamente uma das intenções do diretor em sua obra. O assunto da submissão feminina na sociedade chinesa no início do século XX é recorrente na primeira parte da filmografia de Yimou e podemos identificar novamente o tema em Lanternas Vermelhas.

O cineasta abre o filme com Songlian centralizada conversando brevemente com sua mãe e, ao ser avisada por ela que se casar com um homem rico seria somente uma concubina, a filha responde: “não é este o destino de toda mulher?”. Uma frase forte, mas que nos prepara para o que está por vir. A partir disso, o incômodo só aumenta. 

Para que consigam as lanternas em frente a sua casa, as mulheres, com exceção da mais idosa, realizam ações para atrapalhar umas às outras, sempre visando a atenção do Senhor e os benefícios de uma noite com ele. Isso gera a rivalidade anteriormente citada, mas que ocorre somente por conta da imposição de tradições patriarcais. Passados de geração em geração, os costumes da família, que refletem os da sociedade chinesa da época, são tratados como o que há de mais importante e qualquer pessoa que se oponha a eles cairá em desonra absoluta. Essa organização secular, constantemente reverenciada pela família ao longo da fita, cria uma pressão gigante sobre Songlian e todas as outras esposas, que vêem sua sobrevivência atrelada àquilo. Por mais que pudessem detestar aquela situação, como poderiam viver após se tornarem financeiramente dependentes do patriarca?

Além da protagonista, temos o caso de Meishan (He Saifei), a terceira esposa, que era uma famosa cantora de ópera muitos anos atrás. Mesmo ela, uma artista bem sucedida, viu-se pressionada para se casar e, em seguida, impossibilitada de deixar aquela realidade caso assim desejasse. Sua vontade não tinha importância alguma, já que as intransigentes tradições já haviam determinado o papel feminino na sociedade muito antes dela nascer.

Aliás, por falar em posição social, vale destacar como Yimou também aborda a questão de classe no filme. Enquanto vemos todas as esposas submissas a figura do Senhor, que nunca tem seu rosto mostrado em detalhes justamente para não individualizar o opressor e demarcá-lo como a figura masculina em totalidade, também testemunhamos a opressão sofrida pela classe trabalhadora, representada por mulheres e homens serviçais. As mesmas mulheres que existem simplesmente para satisfazer ao Senhor, oprimem outras mulheres que não ocupam uma posição social mais alta. Talvez o melhor exemplo seja justamente a relação de Songlian e Yan’er (Kong Lin), com a primeira descontando suas frustrações na segunda e, eventualmente, matando-a. Ainda que fique em segundo plano, mostra que as opressões de classe encontram-se acima das de gênero, visto que as mulheres oprimidas com melhor colocação social também tinham poder para oprimir homens e mulheres socialmente inferiores.

Outro ponto que considero excelente na obra de Yimou, talvez até essencial, é sobre o castelo onde a narrativa acontece. A arquitetura antiga e aparentemente intransponível em perspectiva às figuras humanas traz a impressão constante de pequenez e impotência, dialogando com as inflexíveis tradições a que todos estão submetidos. Quando Songlian chega a sua nova morada, por exemplo, ela entra por um grande portão e espera alguém recebê-la em meio a duas paredes que mais parecem verdadeiras muralhas, como se ela estivesse adentrando uma realidade que não terá forças para contrapor.

O realizador também faz uso de sequências com as personagens caminhando longamente para ir de um ponto a outro na gigantesca residência, mais uma maneira de reforçar o quanto aquela realidade é muito maior do que qualquer uma das esposas possa imaginar. Essas estruturas aparentam tanta força que não importa se Yimou utiliza plongée ou contra-plongée para filmar a cena, as partes da casa sempre acabam se sobrepondo a qualquer personagem, como uma inquebrável tradição apenas observando as vãs tentativas de mudança.

Assim como em vários outros de seus filmes, vemos as questões da submissão feminina e das tradições como o foco de Yimou em Lanternas Vermelhas. Ao abordar a realidade daquela família, ele mostra como temas que são passados de geração em geração sem questionamento algum transformam em verdadeiro inferno a vida de praticamente todas as pessoas envolvidas. No final, como o próprio diretor demonstra com suas personagens, parece que existem somente três caminhos possíveis dentro daquela realidade: submissão, enlouquecimento ou morte.

Lanternas Vermelhas (Dà hóng denglong gaogao guà) – China, Hong Kong, Taiwan, 1991
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Ni Zhen, Su Tong
Elenco: Gong Li, Ma Jingwu, He Saifei, Cao Cuifen, Kong Lin, Jin Shu-Yuan, Chu Xiao, Weimin Ding, Cao Zeng-Yin, Cui Zhi-Gang, Li Baotian, Xu Wei
Duração: 125 min.

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