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Crítica | Legion – 2X04: Chapter 12

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos episódios anteriores.

Deus ama mais os pecadores, pois seu fogo brilha fortemente.
– Syd

No episódio mais curto da temporada até agora, Noah Hawley entrega uma narrativa enganosamente simples que carrega fortes significados dramáticos para Syd e para a série como um todo. Com David mergulhado na mente de sua namorada para salvá-la do vírus, o que vemos é uma espécie de loop mental que atravessa toda a vida dela, do nascimento até a fase adulta, em que, a cada nova passagem, aprendemos mais sobre a personagem.

Usando um iglu como ponto de partida, a primeira viagem pela vida de Syd é a mais simplificada e objetiva, dando-nos um panorama sobre seu isolamento do contato físico forçado por sua mutação, que obriga sua mãe, vivida por Lily Rabe, de American Horror Story, a aconchegá-la, quando menina, usando um travesseiro como divisória. Quando cresce, Syd usa os casacos das visitas de sua mãe para “experimentar” novas identidades, para sentir contato humano, depois assumindo um lado punk que a leva a uma rave em que, cada vez que encosta em uma pessoa, ela parece estar injetando drogas na veia, em uma magnífica forma de representar seu infeliz poder.

Há muito o que ver e sentir ao longo de cada nova passagem. O bullying que ela sofre na escola, a vingança de Syd por intermédio de um garoto que quer beijá-la (e que não se furta de usar violência física e verbal para conseguir o que quer) e, claro, o doloroso e ao mesmo tempo cruel momento em que ela, com 15 anos, trocando de lugar com sua mãe, faz sexo no chuveiro com o namorado da mãe. David e nós somos meros observadores ao longo dessas várias jornadas, mesmo que o protagonista tente, sempre de maneira simplificada e clichê, “adivinhar” o maior desejo de Syd, somente para que ela diga para ele “tentar novamente”.

A grande verdade é que, como descobrimos ao final, com a morte do monge, ninguém mais está infectado com o vírus na Divisão 3 e isso, claro, vale para Syd também. Mas tanto ela quanto David continuam em estado catatônico (acordados, de acordo com Carey), pois essa é a oportunidade que Syd tem de criar um equilíbrio na relação que ela tem com o super-poderoso mutante, fazendo-o aos poucos entender seu passado, suas dores, sua luta, o que a prepara para o futuro, certamente aquele futuro sombrio que já vimos por intermédio da mente de David. Para nós, mais do que isso, é um belo e complexo estudo de personagem que Hawley e Nathaniel Halpern fazem aqui, trazendo Syd para os holofotes e desnudando-a perante nossos olhos.

Mas há mais para observar. Um aspecto particularmente brilhante é a escolha de Ellen Kuras para a direção. Para quem não fizer a conexão, Kuras é a diretora de fotografia de fotografia de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, o que faz absoluto sentido aqui considerando o quanto o episódio é quase exclusivamente focado na memória e na conexão dessas memórias com um relacionamento amoroso complicado. As sequências de “nascimento” a partir do iglu gelado, a câmera em plongée em que vemos a mãe abraçar a filha na cama, a dança libertadora da jovem Syd na boate, o enquadramento das sequências de bullying que colocam Syd esmagada no canto da tela, o museu representando a distância de Syd em relação a tudo, o uso de uma construção quase onírica para a excruciante sequência de troca de corpos com sua mãe e outras merecem todos os elogios aqui, em uma construção que, se não é tão lisérgica quanto o que até agora estávamos acostumados a ver na série, têm marcantes significados para a personagem, efetivamente construindo-a e desenvolvendo-a substancialmente, talvez de certa forma até mais do que o próprio David.

Além disso, as pistas visuais não param. A exposição no “museu da mente” de Syd é de ninguém menos do que Egon Schiele, artista checo-austríaco cuja arte fortemente expressiva não só é usada diretamente para representar os sentimentos de Syd – reparem as mãos protegidas e os rostos angustiados -, como também serviram de inspiração para o trabalho de ninguém menos do que Bill Sienkiewicz, o desenhista que co-criou David Haller com Chris Claremont. Ao lembrarmos da arte “viajante” do Legião em Os Novos Mutantes, podemos muito claramente fazer a conexão com os quadros do artista e literalmente “ver” seu David Haller ali. Mas há pistas auditivas também, com o episódio sendo costurado por intermédio da sincronização de canções que estabelecem a atmosfera de cada sequência, com “22 (Over Soon)” de Bon Iver (Within our eyes there lies a scission) marcando a conexão de mãe e filha ao mesmo tempo que sua separação sensorial, depois a movimentada “Turtleneck”, do The National (There’s something about her eyes, I think her roots are rotten / This must be the reason she wears her hair up in knots) sendo usada para estabelecer a rebelião da Syd punk e ainda outras que vão marcando o tom de cada nova volta nesse quase infindável loop pela vida da personagem.

É tão impressionante a quantidade de informações que Hawley consegue fundir em um episódio enganosamente simples de “resgate” da dama em perigo que de dama em perigo nada tem, que a revelação ao final de que Lenny está de volta fisicamente à Divisão 3 perde até o impacto. O fogo da história de Syd sem dúvida brilha mais intensamente.

Legion – 2X04: Chapter 12 (EUA – 24 de abril de 2018)
Showrunner: Noah Hawley
Direção: Ellen Kuras
Roteiro: Noah Hawley, Nathaniel Halpern
Elenco: Dan Stevens, Rachel Keller, Aubrey Plaza, Bill Irwin, Jeremie Harris, Amber Midthunder, Jean Smart, Navid Negahban, Jemaine Clement, Hamish Linklater, Jon Hamm, Pearl Amanda Dickson, Violet Hicks, Audrey Lynn, Lily Rabe
Duração: 43 min.

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