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Crítica | Lemonade Joe

por Luiz Santiago
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Existem paródias muito boas e conhecidas do western abordando os modelos básicos do gênero: o bom, em Atire a Primeira Pedra; o mau, em O Valente Treme-Treme; o feio, em Banzé no Oeste e até o bizarro, em A Louca Corrida do Ouro. Cada uma dessas fitas trazem doses distintas de ousadia na exposição das figuras centrais e histórias do Velho Oeste, sempre apostando na acidez da comédia para fazer denúncias ou jogar com os mitos cinematográficos erguidos nas “produções A” do gênero.

Em 1964, o diretor checo Oldrich Lipský deu a sua contribuição para as paródias do western adaptando várias histórias dos anos 40 com o personagem Lemonade Joe e fazendo uso do tema musical e técnicas utilizadas por Jirí Trnka na ótima, cáustica e um tanto bizarra a animação em stop-motion, A Canção da Pradaria (1949).

A história se passa em Stetson City, Arizona, no ano de 1885 (e já nesta locação temos referência ao cenário cômico de O Crime de Monsieur Lange, de Jean Renoir), opondo Doug Badman, o dono do Trigger Saloon e sua venda de whisky ao cowboy salvador vestido de branco, Lemonade Joe, um conhecido consumidor da Limonada Kolaloka. O roteiro brinca com as posições sociais e interesses de cada uma das partes, não deixando de fora o vilão inescrupuloso por excelência, Hogo Fogo (que parece ter saído de um melodrama Vitoriano); Tornado Lou (versão checa de Marlene Dietrich) a dançarina voluptuosa que sofre por amor mas se entrega à uma mudança total de atitude quando desprezada; e uma jovem ativista ‘religiosa’ que, junto ao seu pai, lutam contra o consumo de álcool em Stetson City.

Por se tratar de um Ostern, ou seja, um western comunista’, é evidente que existe uma dimensão política no filme, mas ela não é doutrinária no sentido patético da palavra. Lipský não faz nada diferente daquilo que alguns diretores americanos já haviam feito fora da comédia, ou seja, denunciar as contradições da sociedade e processos históricos da região a oeste do Mississippi.

Mas o diretor checo não estava preocupado em fazer uma obra filosófica ou de caráter histórico a respeito desses problemas e contradições como fizeram os diretores de O Rei do Deserto, Consciências Mortas e O Matador. Sua visão se aproximava mais daquela que Sergio Leone (que no mês seguinte à estreia de Lemonade Joe lançaria Por Um Punhado de Dólares), Anthony Mann e Sam Peckinpah trariam ao gênero, adicionando um tipo de visão irônica, cínica e crítica, quase abandonando a narrativa ‘tal e qual’ para explorar problemas de seus personagens em um ambiente cheio de problemas (vejam os exemplos de Meu Ódio Será Sua Herança, Três Homens em Conflito e O Preço de um Homem, por exemplo).

A queda de braço entre capitalismo e socialismo é vista na hilária colocação da Kolaloka (ou Coca-Cola) na história, a limonada capaz de tornar melhor a mira dos pistoleiros e, claro, dar vida aos mortos. Joe, desde o início posto como salvador, é na verdade o herdeiro do império da Kolaloka, e as tomadas dele fazendo propagando do produto é uma alfinetada precisa do diretor a todo tipo de marketing mostrado em seu exercício mais interessante, o de tentar fazer com que o maior número de pessoas vejam os produtos similares ao que está sendo vendido como errados, fracos e ineficientes e passem a consumir a ‘nova maravilha’ anunciada. A brincadeira do soft drink X hard liquor se dá tanto no campo ideológico quanto no social dentro do próprio sistema da Checoslováquia na época.

As discrepâncias éticas e morais na obra são intencionais, tendo grande força no campo da visão do que é justiça e da questão do vigilantismo (ou algo parecido) dentro do western, ridicularizado através da covardia e desajuste de alguns pistoleiros bêbados e da postura idiotizada do herói, um pregador da salvação através da bebida que sua própria empresa produz, algo que ele não demora em comparar à “Lei”, dizendo, já em sua primeira passagem por Stetson City, que voltaria à cidade com a “Lei” ao seu lado: “O que é bom para a Kolaloka é bom para a Lei”.

O mais interessante aqui é como o diretor brinca com elementos técnicos para dar vida ao escárnio, utilizando de maneira orgânica e com precisão a câmera lenta, a montagem à la stop-motion, os closes excessivos, o musical como identificação cômica de personalidade (o pai dizendo de maneira dúbia para seu filho Hogo Fogo ao final do filme: “Nosso negócio precisa de todos os tipos de talento”) e até as imersões dos fotogramas em mono-tonalidades a exemplo do Primeiro Cinema, porém, com licenças dramáticas excelentes: quadros em sépia para interiores e blocos narrativos comuns; azul para noite; vermelho para libido e tonalidades como amarelo, laranja e limão para diferentes situações, geralmente como passagem abrupta (assim como abrupta é a mudança de opinião dos habitantes da cidade) de uma atmosfera para outra.

Da excelente direção de Oldrich Lipský, desde a abertura com toda aquela confusão no Trigger Saloon (faz lembrar a coreografia da briga de bar em Uma Cidade Que Surge), até o estupendo e tragicamente irônico final, temos em Lemonade Joe um exemplo de paródia eficiente e com um nível de criatividade raramente encontrado nas comédias. O filme mistura a maioria das abordagens do western clássico e tem uma ambientação “tradicional” fixada em Paixão dos Fortes, inclusive homenageando Henry Fonda em uma das cenas do cemitério.

Também há espaço para lirismo e teatralização de altíssimo nível, como na cena em que Hogo Fogo se finge de cego e toca uma ótima balada ao piano, tendo uma bela “animação de magazine” ao fundo; e para a fixação de uma empire story como sendo o cerne de toda a obra, algo que ficara oculto no decorrer da fita mas que se revela plenamente ao final.

Lemonade Joe é, sem dúvida, uma das melhores paródias já feitas sobre o western, um filme que não se recente em colocar manchas no formato de um dólar americano em irmãos separados por um furacão (o flerte com O Mágico de Oz é evidente) e fazê-los se encontrar-se e servirem ao mesmo propósito empresarial na última cena do filme. É uma obra com um final feliz satírico e que junta todas as vertentes sob a inauguração de um novo produto, o WhisKola. Como se a Kolaloka, o petróleo e os bilhões ganhos pela família na Bolsa de Valores não bastasse.

Lemonade Joe (Lemonade Joe, or the Horse Opera / Limonádový Joe aneb Konská opera) – Checoslováquia, 1964
Direção:
Oldrich Lipský
Roteiro: Oldrich Lipský (baseado nas obras de Jirí Brdecka)
Elenco: Karel Fiala, Rudolf Deyl, Milos Kopecký, Kveta Fialová, Olga Schoberová, Bohus Záhorský, Josef Hlinomaz, Karel Effa, Waldemar Matuska, Eman Fiala, Vladimír Mensík
Duração: 98 min.

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