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Crítica | Lendas da Vida

Uma fábula boba e encantadora.

por Kevin Rick
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Filmes de esporte normalmente contam histórias de superação frente às adversidades. É um molde narrativo lógico quando pensamos na vida do atleta – e do próprio ser humano. Talvez seja por isso que não haja tanta dificuldade em misturar o gênero com a fantasia, pois o papel do esporte no Cinema é tão próximo de uma alegoria e/ou metáfora para auto compreensão e conquista, que a distância para o tom fabular é muito pequena. É como juntar a realidade do esporte com a magia da Sétima Arte, daí o realismo mágico com lições morais que faz parte de clássicos como Campo dos Sonhos O Céu Pode Esperar – além das dezenas de filmes infantis e familiares do subgênero de fantasia/esporte.

Esse método narrativo mais, digamos, formulaico, está enraizado em Lendas da Vida. A obra contextualiza muitas adversidades no seu período histórico de 1931 na Georgia, EUA, como a Guerra Mundial e A Grande Depressão, acompanhando a trajetória de Rannulph Junuh (Matt Damon), um ex-golfista que retorna dos horrores do conflito bélico com depressão e atormentado por memórias, perdendo não só sua vocação no golfe, como também sua paixão, Adele (Charlize Theron), uma moça rica que perdeu o pai para o suicídio em massa da Crise de 1929. Em meio a instabilidade econômica, Adele decide promover um torneio de golfe para reanimar a economia da pequena cidade de Savannah, convidando os dois maiores golfistas à época, Bobby Jones (Joel Gretsch) e Walter Hagen (Bruce McGill) – ambos baseados em esportistas reais. Porém, é necessário que haja um participante local na competição, com Rannulph sendo convencido a participar. Durante um treino noturno vergonhoso, o protagonista conhece o misterioso Bagger Vance (Will Smith), um caddie que o ajuda no golfe e na vida.

Mesmo lidando com tantas situações dramáticas de peso, Lendas da Vida é uma experiência extremamente tátil em sua simplicidade narrativa e sensibilidade visual. O diretor Robert Redford está mais interessado em beleza lírica do que em eficiência dramática, compondo a narrativa – quase toda no desenrolar do torneio – com naturalismo e magia. A ambientação é composta por maravilhosas paisagens verdes do campo de golfe, sobrando elogios para a fotografia verdejante de Michael Ballhaus. Redford também é inteligente na maneira sutil que insere o tom fabular, com shots acelerando o movimento das nuvens, planos panorâmicos do céu e do campo e o constante uso da névoa no entorno da noite. Quando Junuh “vê o campo”, o cineasta retira indivíduos da tela para focar em uma visão contemplativa do ambiente. Quando o golfista dá uma tacada, acompanhamos a bola subindo ao som de cordas angelicais. O sobrenatural nunca é verdadeiramente extraordinário para sairmos da realidade, mas Redford transforma o golfe em uma experiência mística.

Nesse aspecto, é muito interessante como Lendas da Vida se torna um entretenimento sobre a diversão de jogar golfe. Parece óbvio, mas poucos filmes de esporte realmente são interessantes quando a atividade esportiva está acontecendo. Pelo fato da transformação pessoal do protagonista se dar na longa duração do torneio, a audiência se pega torcendo por Junuh. O texto é inteligente em diluir as regras do esporte através de metáforas da vida, como o swing da tacada representando nossa vocação e autoconhecimento, assim como a “visão do campo” simbolizando perspectiva da vida. O fato de que os adversários de Junuh, os profissionais  Jones e Hagen, não são seus típicos antagonistas, mas entusiastas de golfe bem caracterizados e interpretados, deixa o jogo mais recreativo de acompanhar.

Nesse momento, talvez o leitor esteja se perguntando porque considero o filme “apenas” bom. Bem, Lendas da Vida tem um roteiro extremamente falho em termos de diálogo. Primeiro que o longa contém uma narração em off de Hardy Graves (Jack Lemmon), que vai mastigando o conteúdo da obra para o espectador, explicando os sentimentos internos de Junuh, seu dilema com Adele, os significados das metáforas, etc. É um banho de exposição irritante que não deixa a experiência fluir naturalmente. Além disso, o personagem de Will Smith não funciona a todo tempo. Bagger é claramente uma figura divina, que felizmente nunca é explicada, mas que passa grande porção do filme contando parábolas, fazendo discursos da vida usando o golfe e funcionando como um norte moral para o arco de redenção do protagonista. E mesmo com Smith imprimindo um tom cômico com seu carisma infinito, muita da interação entre os personagens é baseada em sentimentalismo barato.

O que se segue é uma narrativa caminhando uma linha tênue entre ternura e piegas. Chega a ser contraditório o quanto Redford diz com a imagem, e o quanto o texto não diz com a exposição. Para uma história de beleza lírica e contemplação fabular, me soa estranho que tudo tenha que ser explicado nos mínimos detalhes, como se a audiência fosse burra e não conseguisse criar sua própria interpretação dos eventos em tela. Ainda assim, a qualidade artística de Redford e as ótimas performances do elenco não deixam Lendas da Vida se tornar uma experiência maçante. Muito pelo contrário, apesar das ressalvas, a obra oferece um prato cheio de diversão esportiva e emoção visual com a simplicidade agradável do torneio recreativo, sua zebra conflitante e um caddie místico que transborda carisma. Uma ode ao golfe, um tom bobo de fábula e uma história de superação geram uma receitinha batida que deixa um sorrisão encantador no espectador.

Lendas da Vida (The Legend of Bagger Vance) – EUA, 2000
Direção: Robert Redford
Roteiro: Jeremy Leven (baseado no livro The Legend of Bagger Vance, de Steven Pressfield)
Elenco: Will Smith, Matt Damon, Charlize Theron, Jack Lemmon, Bruce McGill, Joel Gretsch
Duração: 126 min.

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