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Crítica | Cala a Boca Philip

por Guilherme Coral
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estrelas 3,5

Em sua quase-adaptação de Diário de uma Ilusão (Ghost Writer), de Philip Roth, Alex Ross Perry nos traz um olhar sobre a pacata vida de um excêntrico escritor. Estamos, porém, diante de uma obra na qual a história permanece em segundo plano e o que importa é a percepção do protagonista sobre os eventos à sua volta. O filme procura nos colocar nessa posição, enxergando o que esse autor vê, passando a entender seus pensamentos por mais distantes do senso comum que eles, de fato, sejam.

O foco principal do longa-metragem permanece, portanto, em Philip Lewis Friedman (Jason Schwartzman), que, prestes a ter seu segundo livro publicado, se sente acuado pelas pessoas a seu redor e pela própria cidade em que vive. É nesse momento que recebe o convite de Ike Zimmerman (Jonathan Pryce), um autor famoso nos anos 1980 e 90 e a quem admira, para passar alguns dias em sua casa de campo. Philip, transtornado, aceita e deixa para trás sua namorada, Ashley Kane (Elisabeth Moss, de Mad Men), sem a menor cerimônia. Logo passamos a enxergar os efeitos das decisões egoístas de Friedman sobre as pessoas e o quanto sua tentativa de auto-isolamento acaba não só cumprindo seu objetivo, como atraindo novos indivíduos para sua vida em situações nada menos que inusitadas.

Com a fotografia nas mãos de Sean Price Williams, observamos uma clara importação de sua experiência no cinema documental, ao passo que a obra adota traços dessa linguagem, como o veloz zoom in, para compor este retrato da vida de Philip. A utilização de tons amarelados com granulações nos fazem sentir como se observássemos uma antiga fotografia, conseguindo nos alienar da realidade tanto quanto o próprio protagonista naquele meio. A constante câmera na mão funciona a fim de nos transmitir o desconforto do escritor em relação à vida em sociedade. Ao fim da projeção sentimos essa distinta inquietude do personagem principal. Infelizmente, o recurso, por vezes, chega a incomodar mais do que deveria, tirando nossa atenção do que se passa em tela. Por outro lado, os acertos do elenco conseguem nos puxar de volta.

Jason Schwartzman, já acostumado a papeis excêntricos, como Max Fischer em Três é Demais e Gideon em Scott Pilgrim, demonstra uma total familiaridade com seu personagem. Com frases extensas e intelectualizadas, ele representa um evidente distanciamento da sociedade ao seu redor, ao mesmo tempo que deixa escapar nuances de interesse em se encaixar nesse mundo tão alienado à sua presença. Trata-se de um personagem profundo, que não somente é diferente porque o roteiro assim o quer, e sim porque seus antecedentes o construíram de tal forma – a retratação sociopata feita por Schwartzman acerta em cheio ao atrair por completo nossa atenção e gerar as necessárias risadas pelo seu humor ácido.

Claro que tal mérito vai para o roteiro do próprio Alex Ross Perry, que ainda insere um narrador, à melhor maneira Discovery Channel, para ilustrar com clareza determinados pontos da narrativa, criando um tom que muito nos lembra os filmes de Wes Anderson. E a beleza do texto só ganha sua verdadeira proporção com o passar do tempo, quando enxergamos o real propósito por trás do locutor. Nos é a passada a nítida impressão de que esse nada mais é que a voz do pensamento do excêntrico escritor, transmitindo em palavras sua interpretação do mundo e das pessoas à sua volta. É um olhar tendencioso do personagem e não menos cômico que sua figura em carne e osso.

A obra acaba deslizando ao mudar o foco, em determinadas sequências, para os personagens secundários, quebrando nossa imersão tão inerente à figura de Philip. Por mais que a qualidade no trabalho de Elisabeth Moss e Jonathan Pryce fale por si só, não podemos deixar de sentir uma certa falta do protagonista nesses momentos que os acompanhamos. No fim, temos alguns trechos que facilmente poderiam não entrar no corte final, atrapalhando o ritmo eficiente do longa.

As qualidades de Listen Up Philip, contudo, em muito superam seus defeitos e conseguem nos fazer passar por uma experiência única e dinâmica sobre esse retrato de uma certa loucura. É um filme que nos deixará desconfortável, mas não por isso menos entretidos com a nada convencional personalidade de Philip Lewis Friedman.

Cala a Boca Philip (Listen Up Philip – EUA, 2014)
Direção:
 Alex Ross Perry
Roteiro: Alex Ross Perry
Elenco: Jason Schwartzman, Elisabeth Moss, Jonathan Pryce, Jess Weixler, Krysten Ritter, Kate Lyn Sheil, Dree Hemingway, Joséphine de La Baume, Eric Bogosian
Duração: 108 min.

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